O nome da fêmea



     Quisera ter a simplicidade do Manuel Bandeira pra contar um causo, com oportuna naturalidade.
     Quisera ter a delicadeza do Manuel Bandeira pra contar um causo, com excelsa ternura.
     Quisera ter do Manuel Bandeira a facilidade de, numa pequena crônica, dar vida a um causo, por mais simples e inexpressivo que ele seja, e despertar o imediato interesse do leitor.
     Mas isso é coisa de gênio. E este teimoso e obtuso escriba está distante, mas muito distante mesmo, da genialidade do Manu.
     Que Bandeira foi bom no verso, ninguém contesta. 
     Como, por exemplo, em...  Arte de amar

     Se queres sentir a felicidade de amar
     Esquece tua alma.
     A alma é que estraga o amor.
     Só em Deus ela pode encontrar satisfação,
     Não noutra alma.
     Só em Deus - ou fora do mundo.
     As almas são incomunicáveis.
     Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
     Porque os corpos se entendem, as almas não.

     
Na prosa, Bandeira também esbanjou talento e isso não é novidade.
     Trouxe para suas crônicas o lirismo de um Carlos Drummond e a perspicácia de um Rubem Braga, nosso cronista maior.
     Com palavras simples, sem desconfortáveis arroubos literários, ele conta o que bem quer e entende. 
     Consegue, por isso, ser lido por gregos e troianos, agradando tanto a estes como àqueles.
     Como Drummond, Bandeira uniu - e muito bem - o bom poeta ao prosador exímio.
     

     Passando hoje pela Saraiva, comprei um livro de estimulante título: Boa Companhia, na sua sétima impressão. 
     Humberto Werneck fez este livro com 42 crônicas. Reuniu, segundo os críticos, "o melhor do gênero que, em pouco mais de cem anos, ascendeu à categoria de arte maior, sem perder a grandeza e a leveza".
     São 42 crônicas de "monstros" da crônica: Machado de Assis, Rachel de Queiroz, Mário de Andrade, Rubem Braga, Humberto de Campos, Antônio Maria, Cecília Meirelles, Elsie Lessa, Arnaldo Jabor, Danuza Leão, e muitos outros.
     Diria que, se nessa seleção a excelente Danuza Leão se faz presente, a Martha Medeiros e a Lia Luft se sentiriam bem à vontade, integrando-a.
     Foi lendo Boa Companhia que descobri a crônica de Manuel Bandeira com este título: 
                         A fêmea do cupim
     Faço uma síntese desta crônica manuelina.
     Conta ele, que um jovem, filho de um amigo seu, candidatou-se ao Itamarati; queria ser diplomata e viajar pelo mundo, seu maior sonho.
     Mas perdeu o  vestibular!
     Perdeu porque, na prova de português - pasmem! - não soube dizer  "o nome da fêmea do cupim". Isso mesmo. 
     E Bandeira: "O rapaz embatucou". 
     Ah, que fêmea maldita... teria dito jovem.

     Já que ninguém sabia informar, Manu decidiu pesquisar, até descobrir o verdadeiro nome da fêmea do cupim. 
     Deixemos que ele fale. 
     - "Saí indagando dos mais doutos. O dicionarista Aurélio decerto saberia. Pois não soube."
     - "O filólogo Nascentes levou a mal a minha curiosidade e respondeu aborrecido que o nome da fêmea do cupim só podia interessar...ao cupim."
     A resposta mais surpreendente veio de uma professora, sua amiga: [...] "foi mais severa e me perguntou se eu estava ficando gagá e dando uma de obsceno!"
     Resolveu, então,  sair, sozinho, em busca de uma resposta.
     Recorreu ao Delta-Larousse. Leu muita coisa sobre o cupim. Mas, confessou: "...sobre o nome da bicha, neca!"
     Em última instância, procurou um "decifrador de palavras cruzadas". 
     Sua amiga Jeni, cruzadista, informou-lhe que Arará é a fêmea do cupim. 
     Folheando os discionários que estavam ao seu alcance, confirmou a informação: "Arará...fêmea alada do cupim".
     Escrevi tudo isso para mostrar ao leitor como um crônista faz de um episódio, aparentemente banal, uma interessante página literária. Dependendo, claro, de quem a escreve e assina.

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Nota - Manuel Carneiro de Souza Bandeira. Nasceu no Recife no dia 19.1886 e morreu no Rio de Janeiro ( onde viveu desde os 10 anos de idade) em 13.10.1968. Bandeira, poeta e cronista, ocupou a cadeira 24 da Academia Brasileira de Letras.
     


     

     

     
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 18/08/2011
Reeditado em 08/12/2020
Código do texto: T3167189
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