MÚSICA , A TRANSFIGURAÇÃO DO SAGRADO

Dia desses, num caixa de supermercado, eu o observa bem ali, a um senhor da terceira idade, que compenetradamente empacotava os produtos dos clientes.

Portava um fone de ouvido conectado a um desses modernos aparelhinhos de mídia que eu nunca consigo acompanhar a rápida progressão de seus nomes e de sua tecnologia, talvez (um IPOD?), algo parecido com um PENDRIVE que armazena músicas.

Soava ali ,bem ao longe dos meus ouvidos, uma cantata de Bach.

Não pude deixar de lhe fazer um comentário até meio bobo, "o senhor gosta de música clássica?, ao que me respondeu sorrindo que ali complementava sua renda mensal de aposentado para apenas comprar mídias de cinema e de música.

Finda a cantata, senti as temperaturas das "quatro estações" de Vivaldi entrarem no recinto a nos embriagar a alma.

Percebi que ele sentiu meu encantamento.

"Que maravilhosos eram eles", pensei comigo mesmo, ao que prontamente me respondeu ao meu pensamento: "sabe dona, estava lendo que o mistério da beleza dos grandes compositores clássicos ainda causa espanto porque suas belas harmonias nunca foram reproduzidas até hoje e por isso são consideradas milagres dos céus..."

Olhei para aquele senhor tão entendido e ali , naquele local tão inusitado, muito me ensinava, pois foi com ele que descobri que Vivaldi era padre e que sofria de asma.

"O senhor estudou música?), lhe perguntei certa de que mediria que sim.

"Não dona, toco só sanfona, e de ouvido..."

Então me lembrei do saxofonista da minha última crônica que, em meio ao trânsito e à violência de São Paulo, na rápida folga dum semáforo, também lá nos mandava seu recado soando pelo seu "sax" a composição "O meu amor" do Chico, a encenar nossas duras realidades sociais que se propagam pelos palcos desde as óperas da nossa remota história.

Assim, fechei meus pensamentos musicistas com um fato histórico que aprendi recentemente, aonde a música operou seus curativos de alma mediante seus indiscutíveis "milagres".

Conta-se que certa noite, no campo de concentração de SACHSENHAUSEN, alguns jovens detentos do regime nazista alemão, tão atordoados com tanto sofrimento que já os fazia vítimas de profundas depressões, então, certa noite conseguiram montar num porão, às escondidas dos opressores, uma orquestra de instrumentos artesanais, confeccionados com sucatas que guardavam de lá.

Diz-se que, como se numa festa, entoaram clássicos que recuperavam a alegria dos detentos, mesmo diante de tanta adversidade.

Quando ouvi a tal história, atualmente também a observar os milagres que a música opera diante das cortinas do nosso cotidiano, tenho apenas a acreditar fielmente que Deus fala conosco através dela.

E decerto que deixa qualquer maldade surda à beleza da sua obra...

A música talvez nos seja a maior instrumentalização artística, na qual espiritualmente se manifesta a nítida presença de Deus.