Porque não a verdade?

Quando me mudei definitivamente para Salvador, morei por uns dias no pensionato de Dona Anísia, ali na Rua Direita da Piedade, 9. Eu já conhecia Salvador muito bem, vinha aqui passear, comprar pilhas para o aparelho de surdez do Padre Honorato e minhas turmas de amigos faziam ponto na entrada da Araújo Pinho, no bairro do Canela, e no Edifício Cidade de Saúde, defronte ao Colégio Severino Vieira, onde morava a família Exler, os alemães de Poções.

Era hora da verdade, tinha que encarar o curso de Estradas na Escola Técnica Federal, criar a nova turma e fazer jus a ter passado no vestibular. Do pessoal do Ginásio de Poções só restou meu primo Miguel Sola, mas ele passou para o curso de Mecânica. Fomos informados que deveríamos raspar a cabeça, pois o trote acontecia durante a matrícula e nos primeiros dias de aula. Assim, poderíamos passar despercebidos.

As turmas eram de 40 alunos por curso. Chegou o dia da primeira aula. A professora pediu para que cada um levantasse, fizesse uma breve apresentação dizendo onde havia estudado.

Nas vozes de cada colega não escutava alguém que tivesse vindo do interior. Achei que deveria seguir a mesma linha – não dizer que era de Poções, talvez por timidez e mentir seria mais fácil driblar a pressão de momento.

Chegou a minha vez e mais da metade da turma já havia se apresentado e as falas iam ficando mais reduzidas. Eu disse: “sou Luiz e estudei no Colégio Severino Vieira”.

Foi o bastante para ouvir a voz da minha colega Acácia dos Santos Gomes dizer: “Seeeveeerino Vieeeiiiira?, eu também estudei trêêês anos e nunnnca te vi por lá”. O chão abriu e confesso que quase chorava – não podia! Pensei rápido e respondi gaguejando: “Éeee, eu estudava no turno da noite, deve ser por isso” Não é que a mulher insistiu e respondeu: “Eu também estudei a noite”.

Com isso, aprendi o tamanho e o formato das pernas da mentira – curtas e tortas. Passado aquele momento de alívio da pressão de Acácia, eu caí na realidade e fui perceber o que tinha feito com o CNEC, o Ginásio de Poções. Que consideração barata e que falta de humildade.

Chegou o momento de refazer a “área” e caí em campo. Fui descobrindo que muitos haviam mentido da mesma forma que eu. Leones, era filho de Simplício Colombo Gomes, então prefeito de Tapiramutá. Nabor veio de Serrinha. Todo Feio, de Alagoinhas. Do Molho (o cara usava uma brilhantina no cabelo), era de Catu. E aí vai. Tinha gente até de Caculé e Brumado.

Como a Escola era no Barbalho, próximo da antiga Rodoviária, toda sexta feira a gente descobria mais um mentiroso.

Luiz Sangiovanni
Enviado por Luiz Sangiovanni em 12/12/2006
Reeditado em 25/01/2007
Código do texto: T316527