Nos tempos da macaca

Meu avô fazia macacas... Sério, era esse o nome da atividade do atravessador nos anos 60. Hoje fico me perguntando como a vida era tão cruel para os pobres daquele tempo e a gente nem se dava conta. Achava que a exploração era conseqüência normal na relação de trabalho. Lembro-me muito bem dessa época, quando os trabalhadores da Usina eram pagos com uma moeda própria, criada pelo dono da empresa. Chamava-se boró. Era um pedaço de cartolina, com os valores impressos e um carimbo no verso. Os coitados que lá trabalhavam não viam a cor do dinheiro real e só recebiam esses cupons no final do mês. Com eles podiam comprar os produtos oferecidos pelo supermercado da vila, o antigo Armazém da Usina, um regime escravo camuflado. E quando queriam adquirir coisas diferentes aqui na cidade, vendiam o dinheiro de papel por um preço mais baixo, chegando às vezes, a 30% de desvalorização dos seus rendimentos para realizar um sonho de consumo. Outras vezes adquiriam açúcar na época do preço baixo para repassá-lo na entressafra, com pequenos lucros. Na realidade, macaca era o nome que se dava à troca de produtos ou de moeda, onde quem perdia era sempre o canavieiro, explorado duas vezes nessa história. Meu avô vivia disso. Comprar e estocar açúcar para repassar na época da alta de preço, o mesmo que as empresas fazem hoje para garantir o lucro. E como ele, muita gente fazia o mesmo, buscando formas de sustentar a família. Isso tudo ficou esquecido. Mas eu não me esqueci. E fico pensando como o mundo era cruel antigamente e as pessoas não questionavam. Desde a antiguidade até a idade média, os poderosos e a igreja dominavam os povos através da religião, propagando o medo do inferno para quem vivesse no pecado. E pregavam a humildade como a redenção que os levaria aos céus e a aceitação da pobreza como um desígnio de Deus. Era comum a citação de que era mais fácil um camelo passar no buraco de uma agulha que um rico entrar para o reino dos céus. Como se só bastasse a condição de ser pobre para ser perdoado de tantas culpas que nos pregões, enfiavam nas cabeças ingênuas. Por isso há tantas histórias de santos que renunciavam às suas posses ou se martirizavam para obter as graças de Deus. Acho que as pessoas daquele tempo ainda tinham esse pensamento para aceitar tanta injustiça social e trabalhista que havia na época. Era como se vivêssemos duas realidades diferentes dentro de uma mesma localidade onde vivia o povo da vila e o povo da cidade, que tinham poucas oportunidades de se misturar. Passou... todos vieram para a cidade depois da greve, construíram casas novas, começaram novos planos e novos sonhos. Cresceram com o progresso do país, com o desenvolvimento que estendeu as mãos para os pobres e permitiu uma certa ascensão social para todos. Muitas moedas já passaram por suas mãos desde então. Algumas com mais outras com menos valor, como foram os cruzeiros e cruzados do passado. Mas nenhuma tão mesquinha e covarde quanto aquele pedaço de papel que lhes roubavam o suor do rosto e a sua liberdade.

maria do rosario bessas
Enviado por maria do rosario bessas em 17/08/2011
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