Chá de filosofia

Dona Emerenciana foi quem indicou a seu Francisco um chazinho de uma erva prá lá de boa, que é tiro e queda para artrose. Seu Francisco tomou o chá, sentiu os ossos melhorarem e recomendou a seu Tião. Dona Fiinha plantou a erva no quintal e tomava seu chazinho todo dia, pra acalmar os nervos, a bichinha! Seu Napoleão chamava a infusão de “chá de filosofia”. Depois de uns goles, começava a meditar sobre altas questões existenciais, o danado!

Luquinha, um rapaz da roça, tomou o chá para debelar verminose. Acabou curando a gagueira e a timidez. Seu Amaro andava com catarro preso, aceitou a medicação e com dois dias parou de tossir. Dona Creusa, conhecida pelo temperamento acre, tomou a meizinha e ficou doce como mel de jandaíra.

O remédio caseiro ganhou fama na cidadezinha de Cruzeta, no Rio Grande do Norte, lugar de oito mil almas inocentes. Serviu até para a dor de dente do único policial do lugar, o cabo Fura Fuba.

Dr. Leal, o delegado, só visitava a cidade uma vez por semana. No dia do plantão do delegado, cabo Fura Fuba estava fazendo a estatística da criminalidade. Nos trinta dias do mês, só aconteceram dois casos de violência presumida na cidade: expulsão de Lelé Doido da venda de seu Quincas por não pagar uma cachaça e arenga de vizinhos na rua do Arame que resultou em um cabo de vassoura quebrado na cabeça de Zé Paes por sua mulher, dona China, por motivos de zelo marital.

“Este lugar é muito pacato”, disse o delegado. “E ficou mais ainda depois que o povo começou a tomar um tal de chá de filosofia que serve pra tudo, inclusive pra sistema nervoso”, esclareceu cabo Fura Fuba. Doutor Leal, por artes das conexões, é um estudioso das plantas medicinais e quis conhecer o vegetal. Depois de verificar a folha que o cabo trouxe do quintal da delegacia, de sua plantação particular, o delegado foi taxativo: “Trata-se de cânhamo, e o senhor se considere preso por porte de entorpecente”.

“O que danado é cânhamo?”, quis saber seu Biu de Zefa. “Menino, vem ver o cabo Fura Fuba preso na cadeia!”, gritava o moleque Teté no meio da rua, em meio a um redemoinho. O vento soprava a cabeleira do delegado de venta acesa, vermelho, agoniado, arrancando as touceiras de cannabis sativa dos quintais.

DEU NOS JORNAIS:

Com 8 mil habitantes, a pacata cidade de Cruzeta, no Rio Grande do Norte, acabou ganhando destaque nacional pelo uso corriqueiro, por parte de alguns moradores, de maconha, que era confundida com uma planta medicinal, mas mesmo após a confusão ser desfeita pelo delegado do município, idosos garantem que vão continuar consumindo a erva.

Apesar de não existir relação com o consumo da planta, vale ressaltar que a criminalidade em Cruzeta está próxima do zero.

O delegado disse que mesmo desconhecendo a planta, os usuários não estão livres das penas previstas em Lei.

www.fabiomozart.blogspot.com

Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 17/08/2011
Código do texto: T3165012