DDD - Diário de Derrotas [12]
06h00m
Que lástima! Não consigo me lembrar de um dia que eu tivesse acordado me sentindo tão miseravelmente deplorável quanto me sinto agora. Parece que atingi o fundo do poço: meus olhos ardem e o copo de leite com aveia que tive como janta ontem aparece na memória da minha retina como o responsável pela minha fraqueza atual; não tenho forças para levantar. Contudo, preciso. E levanto. na verdade, TENTO me levantar. E não consigo.
06h08m
Eu havia esquecido o incidente com a minha mão direita. Ela não está mais com o inchaço na região do dedo mindinho. Agora ELA é o inchaço. Inchaço e dor. Não consigo fechá-la e também não consigo deixar os dedos estendidos; por um lado dói e pelo outro não existe movimento.
07h30m
Tive dificuldade pra conseguir cortar o pão. Meu irmão mais novo cortou pra mim e passou manteiga. E foi pra escola. E assim que terminei de comer, meu estômago revirou e tive que correr até a privada. Tive dificuldade pra limpar o meio das nádegas; acho que não limpei muito bem. Por via das dúvidas, liguei o chuveiro novamente e meti o sabonete no meio e esfreguei com esmero. Com a mão esquerda. Também tive que me enxugar só com ela. Masturbação eu tiro de letra com a esquerda. Colocar os tênis, não. E nem colocar calça, meia, passar desodorante, colocar camisa, passar creme no cabelo, abrir o cadeado do portão...
07h58m
Antes de pegar no sono eu tinha decidido primeiro ir trabalhar, e, de lá, ir a um ortopedista ver o problema da minha mão. Mas ela está inchando cada vez mais. Não sei como explicar ao chefe como isso aconteceu. Não sei explicar pra mim mesmo como isso aconteceu. Cada mínima brisa que bate nas costas inchadas da minha mão direita suscita um sem fim de dores.
09h40m
- O que houve?
- Minha mão.
- Me mostra.
Mostro.
- Xi, quebrou aí.
- Quebrou?
- Quebrou. O que aconteceu?
- Foi uma pancadinha aí...
- Pancadinha onde? Na parede?
Assenti.
- NA PAREDE?
- NA PAREDE, DOUTOR!
- Nada esperto, hein?
- Nada - Concordei, falso, pois não tinha sido nada inteligente destinando ao puro concreto o que cabia a um rosto que havia me ameaçado de morte na noite anterior.
12h40m
É. De início são 15 dias afastado do trabalho, com o antebraço parcialmente engessado; depois, afastamento pela Caixa Econômica Federal. Fosse 1 ano atrás eu estaria saltitando e pegando velhas no colo e girando e soltando rojões; mas não, isso teve que acontecer no dia que eu tive a notícia positiva de que eu poderia finalmente acertar a minha vida financeira e adquirir certa estabilidade pra começar um projeto de anos. Recosto a cabeça no assento do ônibus e me pergunto de onde vem tanta lágrima.
13h20m
- Porra, desculpa aí, grande!
Diz o filho da puta que está na porta de um bar a essa hora em pleno dia útil e que acabara de enfiar a ponta acesa de um cigarro no meu pescoço.
- Desculpa é o caralho, presta atenção, porra!
Eu devolvo, seguindo meu caminho e esfregando o ardido que a queimadura deixara. Ele parece que vem atrás de mim. Olho para trás. Ele entra noutro bar.
13h42m
Já em casa. Casa silenciosa e fresquinha. Televisão ligada sem ninguém assistindo, copos espalhados por todos os cômodos, pote de manteiga aberto e cascas de pão por toda a mesa e também no chão. Jogo minhas coisas na minha cama e dou uma olhada no outro quarto. Dorme que chega ronca. Dorme feito um anjo. E assim é a rotina de quem, por pura e bruta pirraça, consegue me dar desgosto de viver. Assim é a rotina de quem manda tomar no cu àquela que o sustenta; àquela que trabalha 20 horas por dia pelo sustento de um saco de esterco.
Abro a porta, atravesso o quintal e ganho a rua. Sento na calçada e fico observando alguém que não trabalha lavando o carro próprio.
"Cara, que dia", resmungo, olhando pra algo que não tem nada a ver com o que acontece comigo; olhando pro céu.
12/08/2011