BOM APETITE!

BOM APETITE!

Ali estava.

Diante de meus olhos... a fome!

Em sua tradução máxima, ela se exibia de três modos, impressos pela magia das lentes de uma câmera:

- na sua forma mais expressiva e degradante, uma visão dolorosamente trágica.

- na sua expressão natural de garantia da sobrevivência.

- no desejo compulsivo do artista de registrar a cena, marcando sua trajetória profissional pelo oportunismo, sensibilidade e pela imagem espetacular que determinaria o custo de sua sanidade emocional.

A fome é, de todos os nossos instintos, o mais perverso ou amoral. E ali, naquela foto, ela se revela com a sua naturalidade inclemente.

A criança negra sob um sol impiedoso, idade indefinida, nua, sentada sobre o chão duro, árido, tem no rosto transmudado a dolorosa cara do abandono, da solidão, do infortúnio. No corpo mutilado pela fome e esculpido pela miséria, a degradação de um cadáver.

Os olhos sem luz, secos.

O horror, por medonho, não exibe gestos.

Um pouco afastado, paciente, aguardando a refeição que ali estava posta, a ave de rapina - um urubu!

O urubu também tinha fome, mas sabia que estava diante do alimento e esperava. Seria por piedade, por respeito ao filhote ali exposto... ou pela certeza de que logo teria sua fome saciada, o que o mantinha a certa distância?

Era para ser uma cena comum, corriqueira. Deve acontecer aos milhares em terras d`África! Esta África rica, exuberante em sua fauna, em sua flora, em sua riqueza mineral, mas que é assediada e vilipendiada por tempos imemoriais graças à ganância e à fome de poder.

Desta vez, porém, a sensibilidade de um fotógrafo, a sua fome pelo registro, a sua fome pela verdade, pelo desejo incontido de responsabilizar a nossa alienação, eternizou a cena dolorosa que agride nossos sentidos.

A fome! A fome está ali, lá, aqui!

A fome degenera, exalta, deprime! Ela pode ser mórbida como a de um bandido ou insaciável como a do fotógrafo!

Você! Você tem fome de quê?

A propósito... você já comeu hoje?

dacosta
Enviado por dacosta em 16/08/2011
Reeditado em 16/08/2011
Código do texto: T3164490
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