O VELÓRIO E A GALINHA
Certa vez, há muitos anos, fui participar de um velório, de uma senhora moça parenta que havia falecido em função de complicações num aborto clandestino. O velório começou na boca da noite, todo mundo muito triste, choros e lamentos da morte condenada mais injusta. Tão boa senhora, direita, boa mãe, dona-de-casa exemplar e toda aquela balela da perfeição dos mortos.
Na medida em que a noite ia avançando, as conversas iam mudando. Ao invés do choro compulsivo, já se escutavam gargalhadas das piadas contadas pelos cantos. O café, os biscoitos, pão caseiro fartava a mesa grande posta na cozinha e ali passou a ser o cômodo preferido. Por momentos a defunta ficava solitária na sala.
Passada meia-noite e a mesa já estava vazia. As broacas comilonas já tinham ido embora, muitas enchendo os bolsos (quando não as bolsas) com biscoitos e outras coisas, para garantir o café da manhã. Restaram no velório os parentes distantes e os famosos papa-defuntos. Eu nunca fui papa-defunto, mas era parente vindo de longe.
Madrugada se fazendo. Estômago roncando. Dispensa vazia. Até o pó do café havia acabado. E as piadas rolando pelos cantos e a defunta, coitada, sozinha na sala, só zelada pelos anjos enviados para guardá-la. Eu não vi nenhum, mas o pessoal dizia que estavam ali, invisíveis. O viúvo, coitado ou não, já dormia o sono dos justos, cujo ronco era ouvido lá na cozinha pequena, separada da casa.
Como todo bom vilarejo de cultura açoriana, de beira de praia, todas as casas tinham uma cozinha impecável normal, com fogão a gás, cristaleira completa, mesa de fórmica com toalha estampada bordada e no fundo do terreno sempre tinha uma cozinha em separada, um rancho, com fogão a lenha, mesa de madeira e banco comprido ao invés de cadeiras.
E o estômago reclamando. Não seria fácil esperar o dia clarear, a panificadora abrir. Daí que ocorreu a idéia. Sabia-se que a falecida tinha uma criação de galinha no fundo do quintal. Criamos rapidamente uma comissão para planejar o roubo e o preparo da galinha. Dois para ir ao galinheiro pegar a galinha. Dois para depenar e limpar a galinha. Dois para ensopar. Esses dois últimos já teriam que ir pondo fogo no fogão à lenha.
Comissão formada. Galinha roubada. Depenada. Limpa. Fogo feito. Ensopado preparado e galinha na panela, fervendo, cozinhando. Meia hora de fervura, uma garfada e a conclusão da comissão de que ainda estava dura. Duas horas e a galinha ainda dura. O dia quase amanhecendo e comemos dura mesmo. E põe dura nisso. Mas comemos.
Claro que tudo muito bem arquitetado. Penas e descartes ensacado e enterrado. Todos os vestígios eliminados. Onde já se viu roupar galinha e ainda de uma falecida. Eu até já havia participado de roubo de galinha, mas nunca de uma falecida. Então a dureza da galinha deveria ser castigo. Tinha que ser. E que castigo, dureza!!!!!!!!!!
Dia claro, mais gente chegando, a sogra do viúvo fazendo café. A mesa posta de novo. Agora ainda mais farta que ontem. O viúvo se levanta e diz que teria que ir tratar das galinhas e principalmente do seu galo de briga de estimação. E foi para o fundo do terreno tratar as galinhas. E voltou em seguida muito bravo, angustiado, informando que além da morte da sua esposa, haviam roubado o seu galo de briga pelo qual havia pago uma fortuna. E chorava mais que no dia anterior com a morte da esposa.
O viúvo chorava e o chefe da comissão do ensopado palitava os dentes......... E piscava com um riso disfarçado no canto da boca. Safado!!!!!!!!!!!!
Certa vez, há muitos anos, fui participar de um velório, de uma senhora moça parenta que havia falecido em função de complicações num aborto clandestino. O velório começou na boca da noite, todo mundo muito triste, choros e lamentos da morte condenada mais injusta. Tão boa senhora, direita, boa mãe, dona-de-casa exemplar e toda aquela balela da perfeição dos mortos.
Na medida em que a noite ia avançando, as conversas iam mudando. Ao invés do choro compulsivo, já se escutavam gargalhadas das piadas contadas pelos cantos. O café, os biscoitos, pão caseiro fartava a mesa grande posta na cozinha e ali passou a ser o cômodo preferido. Por momentos a defunta ficava solitária na sala.
Passada meia-noite e a mesa já estava vazia. As broacas comilonas já tinham ido embora, muitas enchendo os bolsos (quando não as bolsas) com biscoitos e outras coisas, para garantir o café da manhã. Restaram no velório os parentes distantes e os famosos papa-defuntos. Eu nunca fui papa-defunto, mas era parente vindo de longe.
Madrugada se fazendo. Estômago roncando. Dispensa vazia. Até o pó do café havia acabado. E as piadas rolando pelos cantos e a defunta, coitada, sozinha na sala, só zelada pelos anjos enviados para guardá-la. Eu não vi nenhum, mas o pessoal dizia que estavam ali, invisíveis. O viúvo, coitado ou não, já dormia o sono dos justos, cujo ronco era ouvido lá na cozinha pequena, separada da casa.
Como todo bom vilarejo de cultura açoriana, de beira de praia, todas as casas tinham uma cozinha impecável normal, com fogão a gás, cristaleira completa, mesa de fórmica com toalha estampada bordada e no fundo do terreno sempre tinha uma cozinha em separada, um rancho, com fogão a lenha, mesa de madeira e banco comprido ao invés de cadeiras.
E o estômago reclamando. Não seria fácil esperar o dia clarear, a panificadora abrir. Daí que ocorreu a idéia. Sabia-se que a falecida tinha uma criação de galinha no fundo do quintal. Criamos rapidamente uma comissão para planejar o roubo e o preparo da galinha. Dois para ir ao galinheiro pegar a galinha. Dois para depenar e limpar a galinha. Dois para ensopar. Esses dois últimos já teriam que ir pondo fogo no fogão à lenha.
Comissão formada. Galinha roubada. Depenada. Limpa. Fogo feito. Ensopado preparado e galinha na panela, fervendo, cozinhando. Meia hora de fervura, uma garfada e a conclusão da comissão de que ainda estava dura. Duas horas e a galinha ainda dura. O dia quase amanhecendo e comemos dura mesmo. E põe dura nisso. Mas comemos.
Claro que tudo muito bem arquitetado. Penas e descartes ensacado e enterrado. Todos os vestígios eliminados. Onde já se viu roupar galinha e ainda de uma falecida. Eu até já havia participado de roubo de galinha, mas nunca de uma falecida. Então a dureza da galinha deveria ser castigo. Tinha que ser. E que castigo, dureza!!!!!!!!!!
Dia claro, mais gente chegando, a sogra do viúvo fazendo café. A mesa posta de novo. Agora ainda mais farta que ontem. O viúvo se levanta e diz que teria que ir tratar das galinhas e principalmente do seu galo de briga de estimação. E foi para o fundo do terreno tratar as galinhas. E voltou em seguida muito bravo, angustiado, informando que além da morte da sua esposa, haviam roubado o seu galo de briga pelo qual havia pago uma fortuna. E chorava mais que no dia anterior com a morte da esposa.
O viúvo chorava e o chefe da comissão do ensopado palitava os dentes......... E piscava com um riso disfarçado no canto da boca. Safado!!!!!!!!!!!!