Los peruanos

Dessa vez eu não estava em ônibus algum. Estava no metrô. E, com isso, começo a achar que os assuntos aparecem justamente quando eu saio de casa, independente do que eu esteja fazendo. Pois foi só eu pisar dentro do metrô que dei de cara com dois rapazes tocando no meio do vagão uma animada música instrumental. Encostei-me num canto, dei um suspiro, e resignei-me: seja lá o que fosse, eu teria que escrever sobre aquilo. Diante disso, comecei a fazer aquilo que cabe a um pobre cronista. Coleta de material.

O rapaz que estava na minha frente, um cabeludo, devia ter pouco mais de 20 anos, e era quem tocava violão. Usava um jeans velho, e um sapato mais ainda. Sua camisa era tão curta que deixava ver a barriga. E, como se não bastasse, tocava ao mesmo tempo algum instrumento de sopro – desconhecido pela minha ignorância musical. Fazia tudo isso sem se apoiar em lugar algum, pois infelizmente só possuía duas mãos. O outro homem, de costas para mim, vestia camiseta, bermuda e um tênis detonado. Ele se revezava em vários instrumentos de sopro, dos quais identifiquei apenas a gaita de boca. E assim eles tocavam, chamando a atenção de quem ia entrando no metrô.

De repente, pararam. Devo dizer que não houve palma alguma entre os passageiros. Mas o que mais estranhei foi não ter havido pedido nenhum de dinheiro. Considerei, por um momento, que aqueles dois rapazes eram realmente movidos pela música, a tal ponto que eram incapazes de se controlar durante viagem de metrô, e que se sentiam muito satisfeitos apenas em se fazer ouvir pelos demais passageiros.

Então o rapaz cabeludo voltou para o meio do vagão e virou-se para todos nós. “Buenas tardes a todos”. E começou um discurso explicando que eles iam oferecer um pouco de música para nós. Um discurso muito correto, que pedia desculpas pela inconveniência. Dizia ainda que la música atravessava las fronteiras, las culturas, los idiomas, los sotaques. E imagino que las estaciones de metrô também. Assim falou o peruano – que talvez fosse da Bolívia, ou até mesmo do México. Feito isso, passou o violão para o seu companheiro e ficou com os outros instrumentos. E começaram a tocar músicas que, dessa vez, tinham alguns refrões cantados – pero que joy no entendi nada.

E assim fizeram, enquanto passageiros subiam e desciam. Eles estavam perto da porta, mas sempre davam espaço para que pessoas passassem. Isso continuou até o momento em que acharam já ter oferecido música suficiente para nós. Foi então que reparei no chapéu trazido pelo cabeludo, e a minha ilusão se desfez: também eles precisavam de dinheiro, afinal. O rapaz começou a passar pelo vagão e recebeu mais do que eu esperava. Agradecendo, os dois voltaram a descansar, a espera da Estação Central.

Ainda vi o cabeludo brincando com a flauta, tranquilamente, em um canto – dessa vez, sem esperar receber nada em troca. Ao descermos do metrô, continuei acompanhando a dupla. E não pude deixar de reparar que eram eles, entre todos os passageiros, aqueles que mais devagar caminhavam. Todos subiam rapidamente as escadas, e se acotovelavam, e entravam na frente um dos outros. Só os dois seguiam calmamente.

Ah, a música dos peruanos faz bem. Precisamos de gente que caminhe sem pressa.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 15/08/2011
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