CÂMARA DOS HORRORES

Acode-me à mente, enquanto os bombardeios noticiosos da Câmara dos Deputados explodem por todos os lados, singular personagem de um programa humorístico levado ao ar aos sábados, à noite, por certa emissora de televisão.

Trata-se de um espalhafatoso deputado que, com dólares jorrando dos bolsos do paletó e gravata estampada com as mesmas e atraentes notas, toma assento no banco de uma praça cenográfica para protagonizar cenas e diálogos que, malgrado a realidade gritante da sátira, ainda despertam o riso dos telespectadores. Chamado à luz dos esclarecimentos, nosso personagem desdobra-se em estardalhaço e palavras eloqüentes – porém ininteligíveis.

No dia 14 de fevereiro de 2005, 498 deputados tomaram assento, não no banco da praça cenográfica, mas nas confortáveis cadeiras do plenário da Câmara, para protagonizarem a mais tumultuada disputa dos últimos tempos pela presidência da Casa. O que acabou convertendo o plenário em uma praça, não de encontros humorísticos, mas de batalha, onde os governistas, perplexos, assistiam, ao final, a contundente vitória do candidato independente Severino Cavalcanti (PP - PE), que construiu sua candidatura com a promessa de elevar salários e de melhorar as condições de atuação dos seus colegas deputados.

Pernambucano de cidade de João Alfredo, de onde foi prefeito, de 1964 a 1966, Severino é homônimo de tantos outros que, numa região assolada pelo flagelo da seca, vivem o drama da fome, da falta de emprego, de educação e de saúde, relegados à caridade dos projetos sociais.

Nordestinos querem cesta básica e frente de trabalho. Deputados querem aumento salarial, de R$ 12,8 mil para R$ 21,5 mil, o que representa um reajuste de 67% e um custo de, no mínimo, R$ 177,1 milhões no Orçamento do Congresso, somente em 2005. Além disso, cogita-se o reajuste da verba de gabinete de cada deputado em 25%, de R$ 35 mil para R$ 50 mil.

Os servidores públicos do Brasil, que se mobilizam para obter reajustes que mal alcançam a inflação, querem explicações. O povo quer esclarecimentos. Lideres de comunidades indígenas, onde crianças estão morrendo de desnutrição, não entendem o homem branco – em seus colarinhos. Talvez algum deputado, com a bulha do humorista que protagoniza o quadro, responda a essas questões.

Resta-nos o consolo de que a tal praça ainda é nossa. E somente aos sábados, à noite, enquanto os deputados se divertem diante de outra telinha – a do computador – refazendo as contas.

Kyko Barros
Enviado por Kyko Barros em 12/12/2006
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