Boa Noite, Mulher!
Hoje ela lembrou que sua vida seria curta e que as coisas ruins passariam e as boas jamais existiriam. Era simples e quieta demais, seu nome era Lourdes, Judite ou qualquer outro que se assemelhasse a sua cara de fracasso.
De tão breve, não existiu. Foi apenas um pensamento, uma vida que não se permitiu. Ela olhava ele, ele olhava a rua, a rua passava calma e os carros partiam velozes. Os prédios mostravam olhos, bocas, ouvidos e recomendações: compra barato, vende caro, empresto dinheiro, roubo sossego. A cidade inteira falava e o povo todo vivia, mas era para Lourdes (ou o que lhe valha) que a vida acontecia, ao menos naquela manhã. Como se soubesse que não tardaria seu fim, a vida explodia e lutava por apenas cinco minutos de alegria.
Não estava doente, mas seus cabelos caíram, sua boca secou e seus olhos embaçaram; diziam que era tristeza, mas sabia bem, era solidão. Acordou próximo das 9h, mas cinco minutos já lhe bastava para estar pronta na rua. Disfarçou a careca com chapéu, e os lábios umedeceram com o batom, mas para os olhos não havia solução, apenas sorte ao caminhar em meio de tanta confusão. Atravessava a rua sem ver, apenas observava ele, ele que sempre a ignorava, ou se ocupava para outra atenção. Certamente sua imagem não era clara, mas esboçava boa companhia, e por onde Judite - A Fracassada – partia, o homem a acompanhava, ou seria ela que o seguia? Nada importava e tão pouco sabia, se era ele que se esquivava ou ela que não interagia, o silêncio entre os dois não a incomodava, mas o seu destino sim, pois não sabia até onde chegaria e o porque de não estar sozinha.
A cada esquina uma novidade, e a cada passo uma certeza, a certeza que o limite é pragmático, mas ela não, então, prosseguiu. Não estando sozinha, a coragem era efetiva, dona de todos seus erros e amores, se descobriu dona do próprio corpo, o sustento do mundo com suas próprias pernas e braços, fecharia-os em cruz, e bem podia esperar a morte já anunciada no ínicio do dia, mas decidiu apenas cruzar os dedos e entrar no próximo bar da rua seguinte, era ali que preferiria morrer, ser inédita ao menos uma vez.
A porta mantinha cartazes de todos os tipos de contentamento, em fumaça, líquido e petiscos. Escolheu os três, e esperou a aprovação de seu observador, que mantinha a cabeça posta para frente, provavelmente esperando ser notado pelo homem do bar, não foi. E entre tantos sendo ignorados, fez por conta seu primeiro brinde e trago. Pigarreou, fez careta e pensou em cuspir, mas se manteve firme, concentrada em sua própria transformação, Judite partia e Lourdes jamais se fez viva. Os olhos podiam enxergar o que a muito não viam e foi nessa hora que soube, que da vida se despedia, e que uma outra coisa acontecia, não era morte, e muito menos renascimento, era simples, somente outra coisa, coisa sem nome. Ficou claro quem era e como queria ser chamada, e antes de se apresentar para ele que a seguia, interrompeu-se, pois ele já sorria e dizia:
- Boa noite, Rosana... Faz meses que não aparece... tome outro drink e conte-me quem és, como todas as outras noites que me fez companhia! Eu, o copo e a sarjeta sentimos sua falta.
Ela sorriu, e descobriu que de si, não se pode fugir.
- Por favor, a de sempre! - concluiu.