A espera
 
                               Fone  nos ouvidos, ouço “Que C’est triste Venise”, cantada por Charles Aznavour. É  que descobri na música uma inspiração quase divina... Há um contato imediato da mente com os dedos no teclado e o pensamento flui gostoso. Quero passar  essa delícia para meus amigos leitores. Não é fácil. A experiência da gente é só nossa. Mas peço um pouquinho de imaginação para meus amigos. Viu só? Tenho certeza que estamos todos ouvindo esta música francesa maravilhosa. É a história de um fim de amor. Neste momento, terminou a música. Claro, aciono o “play again”.
                               Quero refletir hoje sobre as estórias que contamos. O ser humano sente uma atração fatal pela história. Tenho quase certeza que já disse ser uma frustração para mim o final de qualquer “estória”.  Fim é término. É muito bom que a estória nunca termine...
                               Há ditados populares que se consagram pelas verdades  provisórias que   encerram. Sim, amigo leitor, verdade provisória. Sinto medo da verdade absoluta, pois sei que vou ficar frustrado. Não posso discutir mais nada, não posso enxergar outras vertentes, outras opções. Tudo acabado... Não se reflete mais...
                               Agora, chego no que  quero comentar. Aciono novamente o “play again” da música. Ela não pode acabar antes que termine esta conversa de sábado. Vou me fixar apenas num ditado popular, que diz mais ou menos o seguinte (não consigo decorar nada): “ O melhor da festa é esperar por ela”.
                               Penso que todos vão concordar, ou pelo menos a maioria, que a excitação do desconhecido,  a curiosidade em saber como será a festa, tem um sabor, evidente, bem melhor que a própria festa.
                               A excitação da espera é saborosa. Vou contar  uma coisa boba do meu tempo de criança, quando estava com meus 10 anos. Continuo ouvindo Aznavour. Desculpem, estou respondendo para os leitores mais ansiosos. Estava eu em um internato na cidade mineira de Caxambu. Durante o ano inteiro só havia uma festa para os alunos. A festa de Natal.  E neste dia maravilhoso havia um jogo de tômbola, ou víspora. O Bingo de hoje. Os ganhadores ganhavam bons prêmios:  bilboquê, gaita, bolas de futebol, livros, pião e outros brinquedos que já não me lembro mais.  Estourávamos de alegria. Terminada a festa saíamos a brincar com nossos brinquedos.
                               Claro que a espera pelo Natal é que dava um toque especial para os longos dias do ano inteiro. De repente me lembro do doce de pera, sobremesa  que aparecia no almoço  apenas uma vez por mês.
                               Poderia citar tantos exemplos dessa alegria. Namorar é uma delas, concordam?  Quando estamos aprendendo algo novo, fazendo um curso qualquer. Enfim, talvez seja a ânsia de uma nova descoberta nessas pequenas e grandes coisas da vida.
                               Esta conversa  toda é pra dizer que o pensamento não tem fim, continua e continua sempre.  E contamos nossos “causos” para manter o nosso  gosto  pela vida.   
                               Quando puxamos um fio deste imenso “carretel” que é a vida, passando nossas vivências, vem a inevitável reflexão. Nos alegramos, nos entristecemos, nos espantamos. Vivemos!
                               Neste mundo moderno temos pressa, queremos chegar ao fim antes de vivermos e estamos, sem saber, jogando fora o “carretel” da nossa vida.  
                               E é na espera, no mistério,  que está a graça e o encanto da vida.