Minha cidade
Minha cidade
Moro numa cidade pequenina, um pedacinho do céu, escondido no coração de Minas. Minha cidade não tem montanhas, não tem morros, não tem arranha-céus. É um traçado plano, de ruas largas, onde casas lindas rodeadas de jardins se exibem orgulhosas da arquitetura moderna e do bom gosto das pessoas do lugar. Tem o nome da lagoa que enfeita seu retrato. Águas de prata que brilham tranquilas a cada amanhecer. À sua volta, o manto verde dos eternos canaviais que vão tomando conta da paisagem. Vieram para trazer o progresso na economia de um povo, que cruzou os braços para a natureza que sucumbe a cada árvore que tomba, para produzir o álcool e o açúcar que nasce nas moendas para gerar lucros e impostos. Já não temos mais a brisa suave das árvores que rodeavam nossos limites e nem a abundância das águas que corriam em nossos rios e lagoas. Nosso clima está cada dia mais quente e nosso solo cada vez mais seco. Mas a vida continua exigindo modernidade e nossa gente continua fiel, cada vez mais moderna. Olhando o amanhã sem dor na consciência. Por enquanto a terra não cobra, só dá lucros. E enquanto for assim, a maioria dos homens nem sente os efeitos da mudança do cenário. Lagoa sempre foi assim, uma menina à frente do seu tempo. Basta olhar seu perfil para se notar que a tradição não tem lugar nessa cidade. Não existem moradas antigas, casarões e prédios que nos levem de volta ao passado. O que havia do tempo dos coronéis foi derrubado, destruído e enterrado. Dos escombros surgiram construções cada vez mais ousadas e modernas, cortando qualquer ligação que pudesse existir entre o presente e o passado. Lagoa tem o olhar voltado para o amanhã, não tem tempo para olhar pra trás. Para quem viu seu despertar nos anos quarenta e se vestir de encanto depois de sua emancipação, ficou a saudade dos velhos tempos: do Cinema de Baixo, do Cine Vera Cruz, do foot nos fins das tardes de domingo na pracinha da Igreja da Matriz, das paradas do 7 de Setembro ao som das fanfarras e suas balizas maravilhosas, das barraquinhas da Igreja, das festas do Reinado. Havia ainda os carnavais de rua e os baile do Recreativo, que faziam ferver a cidade. Naqueles tempos, ser feliz era tão simples quanto um frango no almoço de domingo, acompanhado com o guaraná da Mogi, do qual eu não me esqueço o cheiro. Mas tudo mudou de repente; os cinemas viraram lojas de eletrodomésticos, a praça estacionamento de táxi e não existe mais o desfile da moçada nos fins de semana nas suas calçadas. Hoje a galera vai direto ao point mais badalado e o centro da cidade vira deserto no cair da noite. As festas que alegravam a cidade fugiram para o afastado dos bairros porque a cidade precisa de silêncio para dormir, tem muita gente que não gosta de festa. A nossa história vai se fechando em capítulos, passando as páginas que pouca gente volta para ler o que ficou para trás. Como as pessoas que escreveram com a vida esta história e se foram... A maioria, esquecidos de seus feitos, lembranças guardadas em gavetas que só os mais próximos às vezes abrem. Fazer o que? Lagoa da Prata é assim. Tem mania de amanhã, não gosta de reviver o passado. Aqui não cabe tradição, que dirá, saudade...