Mas não está acontecendo nada...
Mas não está acontecendo nada...
texto de Guilherme Davolli
publicado em Andei pensando...
encarte de crônicas do
site www.guilhermedavoli.com.br Número 20 , de 25/11/2006
De repente a moça começou a relatar o quanto andava irritada e dispersa, sem encontrar algum motivo aparente, já que tudo parecia estar na mais perfeita ordem.
O trabalho, o casamento, a escola dos filhos e até a conta no banco estavam de vento em polpa. Tudo absolutamente certo, porém com uma constante e incômoda sensação de agonia.
Estranho! Se nada estava acontecendo, sofrer por quê?
Pela lógica, todo problema deve ser decorrente de uma causa, quer concreta ou imaginária, e conhecê-la possibilita a descoberta de um caminho a ser trilhado na busca de uma solução.
Mas como buscar a solução na raiz de um problema que aparentemente não existe?
Se você tiver sede, peça ou busque água. Se tiver alguma cólica, corra atrás de chás ou medicamentos apropriados. Você pode até não alcançar os objetivos, porém tem onde apoiar suas dúvidas, podendo se atirar nos caminhos mais prováveis para encontrar as respostas.
Mas como saber a resposta de perguntas que ainda não foram feitas?
Observando com mais calma, chego a uma conclusão que me parece inquietante.
De tanta avaliação sobre nossa capacidade de produção e interferência no mundo, muitas vezes acabamos exageradamente críticos com nossa própria paz, chegando mesmo a interpretá-la como inutilidade. Viver em paz chega a parecer ociosidade. Odiamos a impressão de sermos inúteis, pois inúteis são coisas que estorvam, ocupam espaço, denigrem a imagem humana. Pessoa inútil é aquela que só serve para respirar o ar dos outros.
Compreendo claramente que em um momento de competição tão acirrada por espaços, quer na vida profissional ou civil, as pessoas precisem ficar atentas às oportunidades, porém aquele que não se dá o direito (ou dever) de desfrutar momentos de pausa, simplesmente acaba perdendo a sensibilidade necessária para desfrutá-las.
De tão aprisionados em constantes compromissos considerados sérios e urgentes, acabamos por transformar nossos necessários momentos de lazer, em situações de obrigação social. Festas, jantares, confraternizações e mesmo alguns happy hours, que deveriam ser leves e descontraídos, passam a ter o peso de oportunidades que não podem ser desperdiçadas. Vivendo sob essa visão de competição contínua, o descanso passa a ser semelhante a descaso, e acabamos por deixar de acreditar que é justamente na pausa, e distanciamento dos problemas, que temos como observar novos e criativos ângulos, para resolvê-los.
Descansar não significa apenas se livrar do desgaste das atividades e preocupações rotineiras. Descanso é uma ordem divina. Temos a obrigação de cuidar e recuperar nosso corpo e mente para os novos desafios que sempre se aproximam. Oportunidades sagradas para descobrirmos outras capacidades.
Por essa razão precisamos usufruir desses momentos, aparentemente improdutivos, como quem estoca energias a serem usadas na hora certa.
Não somos aquilo que produzimos e sim aquilo que somos. Apenas quando nos cuidamos, diante das oportunidades, é que nos tornamos seres capazes de uma alta produtividade.
Da mesma forma como uma árvore frutífera não deixa de ser uma árvore frutífera quando está fora da safra, precisamos reaprender a nos respeitar além de nossa utilidade.
Quantas vezes recentemente, você se pegou ansioso sem ter motivo para tanto. Quantas vezes você ficou com a \estranha sensação\ de que tudo andava bem.
Tudo bem, tudo bom, e você com essa \estranha impressão\ de não merecer que tanta coisa possa estar OK.
Infelizmente essa sensação de agonia tende a nos atirar temerosamente de busca de algum problema. Precisamos que ele exista, pois do contrário, o problema passa a ser eu.
Sabe, a pior coisa que pode acontecer a uma pessoa, é desacreditar de seu status de filho de Deus, ou seja, não merecer que dias bons aconteçam, pois nessas condições, de tanto se ouvir notícias ruins, passa-se a crer que elas são as únicas verdades.
Pare um pouco e viva o direito de experimentar-se em habilidades inusitadas ou esquecidas como: dormir igual criança, rir de seus próprios erros, criticar menos, se arriscando em novos sabores.
Quando nada está acontecendo, não se desespere. Chegou a hora de se deleitar com o acalentador som do silêncio.