5 Minutos no Parque

Estou na fila pra pagar o almoço. Uma das máquinas está com problema e a fila está grande, está fora do restaurante.

Um rapaz com cara de no máximo dezessete anos joga um pedaço de papelão no chão e encosta no muro ao lado. Está de meias. Ele senta no papelão. Uma cadelinha senta a seu lado, tiritando de frio. Ela força passagem por entre as pernas dele. Deita-se nos joelhos dele. Ele está com as mãos incrustadas de sujeira. Não se importa quando retira um lanche de um saquinho branco e come com avidez.

No fone, "The Boat", do Chuck Ragan.

Eu não precisava ter visto isso.

I feel it in my bones when the storm is close

Eyes closed tight my ears open for the boat.

*

Estou novamente no elevador enorme, veloz e bonito, que me leva lá pro alto - bem alto. Tem dois rapazes comigo.

- Comprei aquele sabonete que você recomendou.

- Aquele?

- É, a caixa que vem com três.

- Bom, muito bom...

Não por acaso, percebo, tomei conhecimento da existência de tal sabonete horas antes, folheando uma revista.

A caixa com três sai por mais de cem reais.

*

- Por favor?

- Sim?

- República; onde fica?

- Desce a Augusta - aponto - É a terceira a direita, se não me engano.

No ínterim, o farol abre. Atravesso, indo contra uma garoa fina e gelada.

Meditar no parquinho do Parque Trianon tem me feito um bem incomum.

As crianças brincando enquanto seus pais e/ou avós tricotam e tricotam nos bancos laterais; os pombos andando sobre o manto fofo de folhas mortas; as correntes das balanças rangendo e os pássaros cantando e os motores e as buzinas lá fora; bom, muito bom.

Sai um casal do Parque, que se encaminha a um lixo que tem na calçada.

A garota arremessa uma bola de papel; erra, e a coisa bate na lateral de concreto do lixo e cai no chão.

Eles riem, dão as mãos, invertem o caminho e deixam o papel no chão.

Meu desejo é dar uma joelhada voadora na caixa torácica dele e outra no queixo dela, derrubá-los - caso o golpe com o joelho não seja suficiente para tanto - e chutar as costelas, pisar na cabeça, arrastá-los pela orelha, fazê-los recolher seus dejetos com os dentes, e, por fim, fazê-los morder a quina da calçada e depois dar um pisão em suas nucas.

Também acho que preciso de um psicólogo por nutrir tais desejos.

Meu olhar assassino - imagino eu - faz com que suas risadas percam a força.

- Casalzinho de porcos filhos de uma puta, hein?

A verdade embota? Catatoniza? Emudece?

A garoa desce além das árvores e umedece a folha; a torna, por fim, inescrevível, pois a ponta da caneta não desliza e, quando não, o papel cede.

Tenho que ir.

*

"A sujeira está por dentro

Elevador, sabonete português

Menino com cachorro no frio."

10/08/2011 - 15h51m

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 10/08/2011
Reeditado em 10/08/2011
Código do texto: T3152046
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