Esperando Solon

ESPERANDO SOLON

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 10.08.11)

Ligaram várias vezes. Vezes sem parar, quase se poderia dizer. A primeira vez foi mais ou menos assim:

- Solon B. S.! - a voz da moça do televendas é impositiva, imperativa, revestida da autoridade típica das pessoas que têm muita pressa, muitos objetivos a atingir e não podem, portanto, ficar perdendo tempo com conversa fiada, não estão aí para jogar conversa fora, pois, como se diz, tempo é dinheiro; a identificação da circunstância de ser uma ligação de televendas, mais do que pelo tom de voz contrariado, se faz pelo som ambiente do local de onde parte a chamada telefônica, altamente ruidoso e agitado, além do fato característico de o telefone tocar e a pessoa, ao atender, ver-se pendurada na linha por longos segundos até que, do outro lado, a moça (sempre botam uma mulher para te ligar) se digne a falar. E, quando fala, ela o faz dando-te ordens.

- Ah, Solon B. S., claro! - o homem responde. - Que que tem? O que houve com ele? E quem quer saber, por favor?

- É da Cartão de Crédi. Ele se encontra?

- Olhe, pelo tom da sua voz, diria que ele se perdeu. Acho que se trata, o dele, de um caso perdido.

- A que horas ele chega?

- Parece que não chega, meu amor. E não tenho a menor ideia de quem seja a figura, sinto muito - e ouve baterem o telefone em seu ouvido.

Cinco vezes, todo dia, aconteceu assim. No sexto:

- Solon B. S.!

- Olha, moça, já cansei da brincadeira. Não existe nem nunca existiu qualquer Solon B. S. neste número - eles sempre falam o nome completo do sujeito, com sobrenome e tudo, mas aqui, de público, não podemos fazer o mesmo, ou seja, citá-lo nominalmente com todas as letras, sob pena de processos judiciais - geralmente acatados pelos juízes e bem sucedidos nos tribunais - pedindo polpudas indenizações por danos morais e à honra dos nominados. - Peço que tirem meu número dessa lista e não me liguem mais.

- Impossível, senhor. O número está no banco de dados da empresa, não tem como ser removido e nos será apresentado sem parar até que o Solon B. S. atenda.

- Mas já disse que não há Solon algum por aqui! Vocês têm que tirar o meu telefone da lista.

- Impossível, senhor, já lhe disse.

- Muito bem. Então chame o seu supervisor, quero falar com ele.

- Nossos supervisores não falam ao telefone.

- Perfeito. Então diga-lhe que farei um boletim de ocorrências na delegacia do bairro se vocês me perturbarem de novo. Aí é a Cartão de Crédito mesmo ou alguma terceirizada?

- Não, senhor, a Cartão de Crédi não terceiriza serviços - e desliga.

Continuaram ligando, óbvio. Um bom profissional não se abate com um mísero não, não se intimida com uma vaga ameaça. O bom profissional persiste até o fim.

- Solon B. S.!

- Ele não está no momento. Pode ser com Soloff B. S., o russo?

Duas horas depois:

- Solon B. S.!

- Vou chamar. Solonzinho, telefone pra ti! - e o telefone dorme, ligado, em frente ao aparelho de som, ligado, até a moça desistir.

Passaram a ligar literalmente a toda hora. Só no sábado foram seis ligações, tarde a dentro, a última às 16h15, meia hora depois da penúltima.

- Solon B. S.!

- Claro, espera um pouquinho só. Sol! Solzinho, vem cá!

Nunca, talvez, o pessoal do televendas tenha escutado tanta música, embora não mais do que escutamos quando precisamos falar com uma empresa. Agora, na casa, sempre existe um som ligado para receber a chamada urgente e irremovível para um certo Solon B. S., o procurado.

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Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados.

A partir de 01.08.2011, é um dos seis candidatos à Cadeira nº 32 da Academia Catarinense de Letras.