FAMÍLIA PRA QUE?

“É uma ilusão pensar que educamos nossos filhos como queremos.

Somos forçados a seguir as regras estabelecidas no meio social em que vivemos”.

Émile Durkheim.

Algo está gravemente errado, E uma das consequências desse erro tem sido profundas e lesivas sequelas; muitas irreparáveis. Refiro-me à perda gradual, porém contínua da autoridade e da influência familiar no processo de formação de nossas gerações futuras. Perda esta que, nas últimas duas décadas, entrou em franca aceleração.

Desde a sanção do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), o que temos visto é uma família, cada dia mais, impotente, menos participativa, menos influente, ausente, omissa, e, não poucas vezes, completamente irresponsável.

A julgar pela atual conjuntura social brasileira, a família está com os dias contados. Com tamanha intromissão do Estado na vida privada, tal instituição, em breve, já não se fará mais necessária, a não ser como mera figura de retórica.

Parece evidente que o papel da família na socialização infantil está diminuindo cada vez mais. Para Talcott Parson, sociólogo americano dos anos 1950, “funcionalista”, a família moderna perdeu muito das funções anteriores, assumidas por outras instituições. Resta-lhe, principalmente, incumbir-se da construção da personalidade das crianças e da estabilização dos adultos. (...) Nessa perspectiva, tudo aquilo que uma instituição toma para si como responsabilidade é retirado da família; por sua vez, esta observa, desolada, a redução das suas atribuições (SINGLY, 2007, p. 44).

Lakatos & Marconi (2009, p. 191), citando Biesanz & Biesanz, comentam a excessiva intromissão do Estado na vida privada nos seguintes termos: “o governo moderno, portanto, não só regula, protege e controla os cidadãos, como também auxilia, apóia, guia, ensina e os informa de acordo com o consenso ideológico básico da sociedade”.

A intromissão do Estado começa já no nascimento, quando determina se o pai pode ou não assistir o nascimento do filho; depois, decide se esse ou aquele nome pode ou não ser registrado; determina até quando os pais têm que sustentar os filhos; decide o que é e o que não é casamento; até onde vai a autoridade de um cônjuge sobre o outro; e, na hora do divórcio, usa todos os recursos para procrastiná-lo, numa tentativa inócua de induzir o casal a desistir da decisão. A mais recente foi a do kit gay, onde o Estado procura chamar pra si a responsabilidade pela escolha sexual de meninos e meninas. Até na hora da morte, o Estado se intromete, determinando quem deve continuar vivendo, mesmo contra vontade própria.

Intromete-se (intempestiva e indevidamente) ainda quando legisla sobre a forma dos pais disciplinarem seus filhos – como se já não bastasse instituições estatais disciplinadoras e controladoras, como a escola, polícias, juizados, comissariados e conselhos, entre outras. Não consigo digerir, por exemplo, uma determinação judicial que disciplina a tolerância máxima da presença de adolescentes na rua durante a noite, sendo que estes têm pai e mãe. Ora sebo, se até o horário do adolescente dormir precisa ser determinado pelo Estado, pra que pai e mãe, então?

Esse mesmo Estado (controlador, intervencionista e usurpador de autoridade) revela-se incompetente para instrumentalizar e capacitar a família a adaptar-se a essa nova conjuntura social, cujo principal promotor é o próprio.

As leis brasileiras referentes ao direito familiar são defasadas e confusas. No entanto, ficar retrucando e lamentando apenas nada resolve. É preciso entender que a perda da autoridade legal não significa, necessariamente, a perda do poder real e da responsabilidade moral. Se as novas legislações impedem o exercício do poder familiar como em outros tempos, a família precisa encontrar outras formas de manter os filhos sob o seu domínio até o momento que lhe competir tal responsabilidade. O que não há como tolerar mais é esse jogo de empurra, onde o Estado, na volúpia de controlar tudo, subtrai a autoridade legal da família e esta, por outro lado, recolhe-se na sua insignificância, passando toda a responsabilidade para o Estado incompetente e incapaz de responder às demandas que ele mesmo tomara para si.

Enquanto isso, a sociedade, num misto de indignação e impotência, assiste, estupefata, a escalada galopante da delinquência juvenil, a desestrutura familiar e o pavor generalizado de um provável iminente retorno ao período histórico classificado por alguns estudiosos como barbárie.

Feliz Natal!