Faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço!
– O que está acontecendo?, perguntei ao carcereiro ao acordar desesperado. Eu me encontrava sobre o chão frio de uma cela fétida, empoeirada, apertada e escura. Podia ouvir ao longe o som de pessoas conversando alto ou gritando, alguns tentando cantar algumas músicas populares conhecidas, outros discutindo a veracidade dos fatos que os levaram àquele lugar. Eu não tinha a menor noção de como havia ido parar ali. Minha cabeça estava doendo muito, e pude perceber algumas pequenas manchas de sangue na minha blusa clara.
O guarda então respondeu com ar de provocação e um sorriso sínico:
– Você está preso, meu amigo! Não se lembra do que fez ontem à noite?
Tentei recordar em vão, até que presumi que a pancada na cabeça me havia feito esquecer do fato ocorrido. Segundos depois, o guarda começou a me expor o caso ironicamente:
– Aquele que bate esquece, mas o que apanha não, camarada!
Minha cabeça continuava cheia de dores e interrogações, até que ele continuou:
– Você não lembra mesmo de ter batido no seu filho de seis anos? Ou por acaso está se fazendo de desentendido?
Confesso que naquele momento passaram cenas na minha cabeça, fazendo todo o retrospecto dos fatos que me levaram àquele lugar. Recordo-me de tudo detalhadamente agora! Meu filho havia desrespeitado a professora na escola. Quando cheguei lá, ela descreveu para mim o que ele fez. Afirmou que meu filho havia proferido palavrões que ela nem se ousava repetir. Eu pedi desculpas a ela, garantindo que isso jamais voltaria a acontecer. Esclareci à docente que não era esse o tipo de procedimento que eu e minha esposa ensinávamos ao nosso filho.
– Portanto, se ele agiu assim, como você mesma relatou, tratarei de tomar as devidas providências que possam corrigi-lo. Ele não voltará mais a praticar tal desrespeito, assegurei.
Ainda dentro do carro, retornando para casa, conversei com meu filho sobre o episódio. Ouvi suas justificativas, mas disse que isso não era coisa que se fizesse e, por isso, eu o disciplinaria quando chegássemos em casa.
Antes de tocar-lhe, perguntei:
– A desobediência gera...?
– Dor, ele respondeu. Então, meu filho, por que você desobedeceu à professora e a seus pais? Nós sempre lhe ensinamos que não se deve desrespeitar os mais velhos.
Fiz o que eu havia prometido, e meu filho depois veio chorando me pedir desculpas pelo mal que havia cometido. No outro dia, fiz-lhe pedir perdão à professora e prometer melhoras a ela. Voltei para casa, pois estava em período de folga no trabalho; eu só iria voltar ao serviço à tarde. Com o passar de algumas horas, fui surpreendido por dois policiais batendo na porta. Ah! Um deles está na minha frente agora. Ele interrompeu meus pensamentos com evidente sarcasmo:
– Agora você lembra? Lembro, sim, respondi com frieza. Foi aquela professora, não foi? Como ela pôde... Tentei ajudar meu filho a adquirir valores morais, como respeito e integridade, e olha o que eu recebo em gratidão!
Minha esposa apareceu horas mais tarde, trazendo consigo uma fiança significativa, e eu fui liberado para voltar para casa, agora com uma ficha suja e a aparência marcada pela vergonha de ter passado por tal constrangimento. O policial me fez prometer que jamais voltaria a bater no meu filho, e eu fui “em paz” para casa. Arrependi-me verdadeiramente do que fiz. Fui até o meu filho e conversei com ele, pedi perdão, e disse que fiz aquilo pensando no seu bem, mas jamais voltaria a tocar-lhe a mão.
Cerca de quatorze anos depois, estava passando pela quadra da rua em que moro, e vi um policial espancando um jovem rapaz. Fui me aproximando lentamente. O movimento estava acontecendo a caminho de minha residência. Quando voltei meus olhos para aquela confusão, percebi que o jovem era meu filho. No mesmo momento lembrei-me do ocorrido há quase uma década e meia. Entrei no meio da confusão e pedi ao policial para cessar aquela surra. Ele nos conduziu até a delegacia para conversarmos.
Chegando lá, o policial disse que o jovem estava envolvido com o uso de entorpecentes e havia roubado uma velha cerca de uma hora atrás. Por incrível que pareça, recordei-me de que aquele era o mesmo policial que me havia levado cativo naquela época. Eu tentei lhe fazer lembrar o antigo fato, mas não funcionou. Perguntei-lhe então:
– Por que você estava torturando meu filho, se você mesmo me aconselhou um dia a não proceder dessa maneira?
Ele retrucou com bastante naturalidade e deboche:
– Faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço!
Publicado em 09/08/11, no site: <http://www.educacaopublica.rj.gov.br/cultura/prosaepoesia/0293.html>.