Sem palavras
Era um velhinho na casa dos oitenta. Sentado, como devia fazer sempre, folheava, com dificuldade, um livro. Não consegui identificar sobre o que era. Suas mãos, trêmulas, tamparam a minha visão. A dele também não parecia ser das melhores, já que seus óculos fundo de garrafa teimavam em balançar sobre seu nariz.
Estava na companhia de uma velhinha. Parecia também estar na casa dos oitenta. Não que os oitenta hoje em dia sejam o marco da terceira idade, mas apenas deduzi. Não sei se eram casados ou se, de repente, nem se conheciam. Muita coincidência uma mesa de dois lugares, em uma livraria, ser ocupada por dois senhores bem parecidos em seus gestos, vestimentas e luz.
Confesso que o velhinho me chamou mais a atenção. Sua árdua tentativa de leitura me hipnotizou. Suas mãos que não paravam de tremer me causaram dor e emoção. Ele poderia simplesmente estar em casa, pensei. Poderia estar deitado sob cobertas quentes. Mas não. Ele estava ali. Apesar da idade avançada, da dificuldade em segurar o livro, folheá-lo e lê-lo, ele estava ali.
Quanto ímpeto não deveria guardar aquele senhor. Nunca antes tão fugaz, resgatei o primeiro livro à frente na tentativa de esconder-me e observá-lo melhor. Imaginei a dificuldade que era para ele estar ali, mas quanto significado e prazer o hábito da leitura lhe dava em troca. Por quantas vezes paramos na metade do caminho, sem forças para continuar? Por quantas vezes pestanejamos na primeira dificuldade, inundados por uma sensação de impotência e comodismo? Aprendi muito naquela tarde, já com os olhos marejados e contentes.
Algumas lições são apresentadas no decorrer da nossa estrada sem que uma simples palavra seja dita.