Falando de nossas ilusões
Qualquer identificação do leitor com uma pequena, média ou grande parte dos exemplos cotidianos de ilusão não será uma coincidência, pois a primeira razão de tudo que se passa em minha primeira ilusão é a de que as novidades não existem. Isso cabe ao fato de que escrever pode, também, parecer pretensioso, quando achamos que estamos falando de coisas novas, ou estamos livres, das impregnações sociais, culturais, cognitivas, da nossa aprendizagem humana.
De fato, escrever pode ser nada mais que um acúmulo de fontes, conhecimento ou informação, dita sempre de forma diversificada. Lógico que não concordarei comigo mesmo, pois essa minha parte pessimista retira do ser humano o que lhe é plausível e gratificante – a criatividade e o fator mudança para se criarem as novidades. Então novidades existem ou não existem? Existem limites ou podemos falar de espirítos para extrapolar a experiência constante humana? Bem, este assunto não é assim tão importuno para que respondamos a essas questões. Na verdade, deixemo-las um pouco de lado e vamos falar de nossas ilusões comuns, ou seja, do dia a dia, as rotineiras.
A primeira ilusão. Ah, eu já tinha falado da primeira, mas essa não valeu. Então, vamos contar a primeira agora, pois mudei de opinião. Muito bem, vou querer dizer que a primogênita das ilusões é aquela que diz respeito a nossa opinião. Nós, constantemente, falamos nossas opiniões para que o outro nos aceite. De vez em quando, nos achamos errados, mas confesso que, estatisticamente, gostamos mesmo é de estarmos certos e de impormos nossa individualidade na hora de pensar coisas simples do cotidiano. Tipo o filme que mais gosto, o carro mais bonito, o melhor lugar do mundo para visitar, o prato que devoro com mais prazer e a minha bebida preferida.
Tendo isso em vista, é raro que justifiquemos nossas opiniões por nós mesmos. Consequentemente, usamos nomes de pessoas ou coisas como ideais mensuráveis que possam assegurar nossa opinião. Mas, ele falou, eu vi nessa revista, vi no jornal, foi fonte segura, vi na televisão, ouvi dizer... Já perceberam como precisamos validar o tempo todo tudo o que falamos. Aqui, precisamente, eu teria que aclamar para que falem seus próprios pensamentos, pois falando coisas imprecisas, sem explicações metódicas, construímos a criatividade, ou seja, a capacidade de questionar o que é falado, mesmo que a fonte seja - isso já é clichê - segura.
Nossa primeira ilusão significa então acreditar que somos livres para pensar, mas que gostamos de ser presos para não pensar com total autonomia. Ou não temos liberdade de pensar, pois até nossa criatividade não é livre das influências exteriores. Liberdade é então algo que não se vê, mas que se acredita. Numa convicção clara e ao mesmo tempo obscura, posso inferir que a Liberdade de nossa opinião não existe.
A nossa segunda ilusão, refere-se ao fato de que somos bons. Quando somos razão pública e maioria podemos criticar, questionar, lamentar e falar mal dos vagabundos, aqueles que fazem coisas erradas ou ridículas e aparecem na repercussão. Mas, quando estamos a sós, muitas vezes, podemos avançar o sinal vermelho, podemos falar mal da vida alheia e sermos menos árduos que com aquela maioria. É uma ilusão que se perde no contexto do olhar sistêmico da vida, como se não fizéssemos parte da natureza, da biosfera, porque tudo deve girar mesmo a favor da ilusão de bondade com nós mesmos. Nós esquecemos que nem sempre somos bons. Bom mesmo é parar de ser referência do que é certo, sempre.
Sobre a bondade posso deduzir; ela impregna tanto nossa complexa ilusão de existir que manter uma infinidade de explicações de pontos de vistas lógicos, parece sempre ser a procura de um auto perdão, ou seja, estamos certos, o corrupto é o outro, o violento é o outro, o mal-humorado é o outro, o preguiçoso é o outro. Eu sou bom e mereço perdão por tentar subornar com meu jeito ou porque minhas questões individuais parecem justificar que, baseado na correria, tive que passar o sinal vermelho, tive que omitir coisas para ficar bem. A legítima e triste ideia de que eu posso, mas o outro não. Nós temos o hábito de atribuirmos a culpa dos nossos erros aos fatores externos e atribuirmos o mérito exclusivo, a nós mesmos, quando acertamos.
A terceira ilusão que temos é a mais triste, porque dela vem o desperdício que há na vida, quando esquecemos de olhar e viver as coisas do tempo presente – a ilusão de que somos eternos. Comumente, embasamos nossa felicidade em projetos futuros que ainda vão acontecer. Nosso sonho, nosso carro novo, nossa casa, nossas conquista de títulos, nossa busca pela afeição. Eu serei feliz e estou esperando sempre alguma grandiosa coisa acontecer. A sensação de algo fantástico e extraordinário vai mudar minha vida e tornar-me a pessoa mais alegre do mundo. Estou à espera e aguardo com afinco, pois é muito, muito provável, que isso vai acontecer porque sinto que minha vida é especial.
A vida é especial sem essa ilusão. Sem desacreditarmos que caminhamos para um processo que minimiza os valores materiais, físicos, a beleza, os bens, para um processo de crescimento imaterial. De algum processo “extra” denominado, por alguns, de sobrenatural ou epiritual. O que também não deixa de ser uma incerteza para o homem até o ponto em que essa mesma convicção contribua para a crença na eternidade de nossa egoísta graça peculiar. Isso porque também impulsiona o costume de adiar a vida para quando algo chegar ou levar ao hedonismo desenfreado ou à depressão.
Dessa forma, viver assim para deflagrar um ideário que nos reveste, constantemente, de desculpas, para não estarmos completos no sentido de proveito do aqui agora, não consiste de uma experiência feliz, mas de uma sucessão de momentos que passam e são vividos à espera. Estamos sempre à espera do dia “que” ou, talvez, “se”, porque assim podemos deixar para trás os intensos momentos para vivermos de enganos e projetos. Lembrem-se: projetos não são a mesma coisa que realidade. Aliás, a realidade do agora, sem querer ser imediatista, deveria ser enormemente vivida, sentida, degustada ao máximo de seu sabor para não ficarmos à espreita de nossa grande ilusão de sempre.
Escrevi esse texto em agosto de 2006. Ele completou hoje cinco anos.