Febre de escritor

Febre de escritor

Acordo, escrevo, adormeço, escrevo outra vez em linhas de sonho, acordo, escrevo pelos olhos, pelas mãos, pelo banho...

Paro no sinal, escrevo em luzes de letreiros, tomo sorvete, alguém passa, escrevo e me tomo assim, da loucura que é o perigo que ronda o escritor, que nem sempre sabe que é escritor, a loucura do tempo subjetivo, onde só escrevendo se respira a própria vida.

Bruna Lombardi há alguns anos disse, em Diário do Grande Sertão Veredas; ...sabe o que o silêncio é, a gente mesmo demais...

Será que estou enlouquecendo, ou é uma simples febre de escritor?

E assim mesmo é, uma necessidade imensa de silêncio, de ouvir a própria mente e coração, uma relação de um nunca fenecer, visceral, que retrata o que somos. A poesia não te impõe a culpa moral cristã, não te domina, não te dá como exemplos, não te cobra, não te extingue do que tu és.

Ela está em você e se coloca em palavras num infinito poder de sublimação do ser que há em você e quer por vezes se torna estranho a ti mesmo.

É quando a inspiração fala e não sabemos de onde ela vem, nem mesmo pra onde vai. Esse é o encantamento da inspiração...

Só sabemos se somos ou não escritores natos quando somos enredados por palavras nada cotidianas, incomum aos olhos corriqueiros apressados, e quando ganhamos bônus que são comentários de quem as acata e contempla como tema de algum momento da vida.

A relação palavras e momentos é quase como uma narrativa de paisagem absoluta e abstrata, mas que se esvai como brumas na primavera. Se não escrevemos, ela se finda no instante seguinte.

O texto é apenas um adereço composto por conjunto de palavras que fluem magneticamene pela inspiração da alma.

A poesia me salva de mim mesma, me consola, acalanta, me embala a vida, traduz o que sou e que não está explícito nas interpretações dos outros a minha pessoa. Que importa?

O escritor é alguém que mergulha em si pra encontrar muitos de si, eternamente, como sonatas clássicas que ficam mesmo com os ventos do tempo, que teimam em as levar pra longe.

Eu escrevo e penso melhor quando ouço clássicos, e certa fico que música e palavras floreiam e alimentam o espírito mais que qualquer doutrina religiosa, pois é um dom natural impregnado de Deus, e não algo imposto aos homens desde que a história começara a se fazer em páginas.

Falar da arte poética da escrita é como falar do tempo em que se carrega a ternura dentro de si, uma gestação que uma hora sairá de dentro de nós, é a febre natural e insanamente bela que move o escritor.

Mônica Ribeiro

07/08/11

"As palavras me antecedem e ultrapassam,

elas me tentam e me modificam, e se não tomo cuidado será tarde demais: as coisas serão ditas sem eu as ter dito."

(Clarice Lispector)

Mônica Ribeiro
Enviado por Mônica Ribeiro em 07/08/2011
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