A saudade do outro
Mulheres são criativas para ganhar a vida e sempre se prestaram para os mais diversos serviços. Hoje enfrentam qualquer atividade quase de igual para igual com os homens. Já houve tempo em que a escassez de empregos, combinada com os costumes sociais, fazia com que às mulheres coubesse o serviço sujo para assim ajudar, ou obter sozinhas, o sustento de suas famílias.
Rosa era assim. Trabalhava como faxineira em um hospital, mas não era o bastante. Tinha energia e necessidades para muito mais. Era o tempo das casas de madeira, cercas de madeira, móveis de madeira, tina de madeira... Não havia preocupação ecológica tão premente. A água vinha da chuva, que escorria das telhas pela calha até o balde, panela amassada, bacia de alumínio e alguidar. A água vinha do poço, da cacimba, do olho-d’água. A água vinha também da torneira, mas nem todas as casas possuíam água encanada da companhia de águas e saneamento.
Lavava e passava roupas para fora. Isto significava que buscava trouxas de roupas sujas lá das casas dos patrões e as devolvia lavadas, passadas e cheirosas. A lavagem era feita a mão, em cima de uma tábua macia e forte que, por sua vez, ficava em cima de uma mesa baixa no quintal, que Rosa conhecia com o nome de girau. Algumas roupas eram primeiramente ensaboadas com sabão grosso, esfregadas com as mãos ou com a escovinha. Passavam depois pelo molho em água com sabão em pó. As que precisavam de maior alvejamento ganhavam uma medida de água sanitária. Havia também as coloridas e as delicadas que dispensavam essa fase para ganhar apenas o sabão de coco esfregado por mãos entendidas. Era a hora de quarar, quando as roupas ensaboadas eram estendidas sobre a grama para as primeiras carícias do sol. Por fim, eram enxaguadas em várias bacias, uma após outra, com água limpa, água de anil e água de erva de oriza.
Bem sacudidas as roupas, aqueles varais enchiam-se, então, de pernas e de braços cheirosos balançando ao vento... Algum tempo ao sol e eram viradas para que o outro lado também fosse abençoado pelos raios ultravioleta. Enquanto isto as que já estavam secas eram passadas a ferro, um poderoso ferro a vapor que Rosa ganhara de seu patrão americano. Coisa rara, naquela época, a importação, assim como a máquina de lavar roupa que Rosa dizia deixar a roupa sem vida!
Há a saudade nossa e a saudade do outro. Rosa gostava de se lembrar das lavadeiras da beira do rio, lá do lugarejo em que nasceu, onde as mulheres se reuniam para lavar roupas e se inteirar da vida alheia. Sobre o riacho havia uma enorme tora de madeira onde as mulheres, inclusive sua mãe, apoiavam as roupas para esfrega-las com palha de sabugueiro e bate-las para amolecer a sujeira. Tudo regado a muito riso e conversa alta e muito alta. Saíam dali, horas mais tarde, até o outro dia quando voltariam para a mesma rotina. Com banho tomado, roupa lavada e seca numa trouxa sobre a cabeça, pronta para passar a ferro a carvão. Aquilo sim é que lhe dava saudade. Ainda ouvia, trazida pelo vento, a canção de Pixinguinha, que tinha certeza ter sido feita para ela - Rosa: “Tu és de Deus / A soberana flor...”.
Mulheres são criativas para ganhar a vida e sempre se prestaram para os mais diversos serviços. Hoje enfrentam qualquer atividade quase de igual para igual com os homens. Já houve tempo em que a escassez de empregos, combinada com os costumes sociais, fazia com que às mulheres coubesse o serviço sujo para assim ajudar, ou obter sozinhas, o sustento de suas famílias.
Rosa era assim. Trabalhava como faxineira em um hospital, mas não era o bastante. Tinha energia e necessidades para muito mais. Era o tempo das casas de madeira, cercas de madeira, móveis de madeira, tina de madeira... Não havia preocupação ecológica tão premente. A água vinha da chuva, que escorria das telhas pela calha até o balde, panela amassada, bacia de alumínio e alguidar. A água vinha do poço, da cacimba, do olho-d’água. A água vinha também da torneira, mas nem todas as casas possuíam água encanada da companhia de águas e saneamento.
Lavava e passava roupas para fora. Isto significava que buscava trouxas de roupas sujas lá das casas dos patrões e as devolvia lavadas, passadas e cheirosas. A lavagem era feita a mão, em cima de uma tábua macia e forte que, por sua vez, ficava em cima de uma mesa baixa no quintal, que Rosa conhecia com o nome de girau. Algumas roupas eram primeiramente ensaboadas com sabão grosso, esfregadas com as mãos ou com a escovinha. Passavam depois pelo molho em água com sabão em pó. As que precisavam de maior alvejamento ganhavam uma medida de água sanitária. Havia também as coloridas e as delicadas que dispensavam essa fase para ganhar apenas o sabão de coco esfregado por mãos entendidas. Era a hora de quarar, quando as roupas ensaboadas eram estendidas sobre a grama para as primeiras carícias do sol. Por fim, eram enxaguadas em várias bacias, uma após outra, com água limpa, água de anil e água de erva de oriza.
Bem sacudidas as roupas, aqueles varais enchiam-se, então, de pernas e de braços cheirosos balançando ao vento... Algum tempo ao sol e eram viradas para que o outro lado também fosse abençoado pelos raios ultravioleta. Enquanto isto as que já estavam secas eram passadas a ferro, um poderoso ferro a vapor que Rosa ganhara de seu patrão americano. Coisa rara, naquela época, a importação, assim como a máquina de lavar roupa que Rosa dizia deixar a roupa sem vida!
Há a saudade nossa e a saudade do outro. Rosa gostava de se lembrar das lavadeiras da beira do rio, lá do lugarejo em que nasceu, onde as mulheres se reuniam para lavar roupas e se inteirar da vida alheia. Sobre o riacho havia uma enorme tora de madeira onde as mulheres, inclusive sua mãe, apoiavam as roupas para esfrega-las com palha de sabugueiro e bate-las para amolecer a sujeira. Tudo regado a muito riso e conversa alta e muito alta. Saíam dali, horas mais tarde, até o outro dia quando voltariam para a mesma rotina. Com banho tomado, roupa lavada e seca numa trouxa sobre a cabeça, pronta para passar a ferro a carvão. Aquilo sim é que lhe dava saudade. Ainda ouvia, trazida pelo vento, a canção de Pixinguinha, que tinha certeza ter sido feita para ela - Rosa: “Tu és de Deus / A soberana flor...”.