A UMA FLOR CELESTE

Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam. Salmos 23:4

Foi assim: de repente, sem aviso nenhum, que nós fomos convocados para nos juntar a um programa do MEC, sob a coordenação da UFRN e da SEEC. Lá fomos nós então... Chegamos à capital, ainda sem sabermos direito o que tínhamos ido fazer lá, quando vimos, pela primeira vez, a flor chamada Fernanda Jalles. Para todos nós, foi amor à primeira palestra. Sim. Na abertura do evento, a primeira palestrante foi ela. Segura, determinada, confiante e, acima de tudo, uma autoridade no assunto exposto, ela encantou a todos os presentes. De fala fácil, gestos simples, atenção redobrada em tudo que ouvia, ela se fez brilho e autenticou a nossa participação no que, temos certeza, era o jardim de sua vida.

Depois, somente bem depois é que ficamos sabendo que aquela mulher de aparência delicada, mas de gestos firmes; de modos e conceitos simples, porém de uma elegância natural e de ideias criativas ilimitadas; que se sobressaía das demais pela sua competência e conhecimento, era, na verdade, uma das maiores autoridades na área de Educação Infantil do país e uma das “mães” do Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício na Educação Infantil (PROINFANTIL).

E ela nos fez seus discípulos. Abraçamos a sua causa e procuramos estar à altura de sua confiança em todos nós. A sua humildade a impedia de centralizar as ações e, por isso mesmo, delegava o seu comando a quem se destacava e procurava abraçar a sua bandeira de luta. Nem precisa, mas são testemunhas dessas palavras, ditas aqui, Ana Aguiar, Francisco Paiva, Paula Eleutério e Marfisa Fernandes.

Nós, professores da Agência Formadora III, fomos privilegiados em sua atenção. Em parte, por ela ser mossoroense e, em parte, por compreender que os maiores desafios estavam, justamente, na jurisdição do torrão natal. Assim, ela autorizou e a Secretaria de Educação do Estado providenciou a visita das professoras cursistas ao NEI (Núcleo de Educação Infantil) em Natal, para que elas tivessem contato com uma referência em ensino, totalmente voltado para as crianças da primeira educação.

A sua generosidade era, também, incomensurável. Por ocasião do IV Módulo do Programa, ela, para nos fazer uma surpresa, abriu a semana de formação com um texto nosso, intitulado A Rua dos Ipês. Depois, veio conversar sobre o quanto admirava e achava bela a flor do Ipê. Dava para sentir a sua perfeita sintonia com a natureza e de como ela gostava de prestigiar a quem preservava, mesmo sendo em prosa poética, a delicadeza perfumada das flores.

No início do mês passado, em Natal, nós a vimos pela última vez. Éramos um grupo de treze pessoas. Estávamos ali para uma reunião de final de programa. Dinâmica, ela coordenava e participava de duas reuniões no mesmo prédio. Era, no ponto conceitual acadêmico, a visão mais holística de uma organização.

No final da reunião, uma homenagem, de todos nós, em forma de um quadro. Fotos, sorrisos e uma revelação, por parte dela: “eu encontro, nos lugares mais inusitados, flores. Esta é a prova de que ‘ele’ está se comunicando, de fato, comigo”.

Na saída, o compromisso firmado de estar embarcando para a capital do país para agilizar a quarta etapa do programa. Mas, os caminhos do Senhor são misteriosos. Ele, na Sua Infinita Bondade e Sabedoria, quem sabe, a procura de alguém para assumir, em seus jardins floridos de jasmins, petúnias, ipês, girassóis, tulipas e lótus, a delicada tarefa de ensinar aos novos anjos os mandamentos celestes da Criação, chamou-a para o Seu Reino.

Assim, duas semanas após a avaliação, ela nos deixou, de repente. Decidida, tomou o seu acento no vagão do trem da eternidade e partiu para assumir esse novo desafio. Antes, no entanto, como uma boa profissional, reuniu os seus colegas de trabalho e tomou todas as medidas cabíveis para os projetos e programas a cargo de sua gestão. Também pudera! - ela era “multiplural”. Por isso mesmo, ela coordenou, orientou, debateu, argumentou, defendeu e, finalmente, em conjunto com seus pares, elaborou o plano de ação para desenvolver tudo aquilo que a sua privilegiada mente havia desenhado.

Como último compromisso, a viagem à Recife. Lá, em meio à selva de interesses, prevaleceu o mérito de quem, seguramente, sabia o que era melhor para a Educação Infantil do país. Ela vencera, mais uma vez, o despreparo e a incompreensão daqueles que achavam que Educação Infantil era apenas cuidar e dar de comer as crianças, sem nem mesmo ter uma organização para isso. Mostrara, incansável, aos senhores da nação, que cuidar de crianças tem uma metodologia própria e que, associado a isso, para educar se faz necessário um treinamento pedagógico, alicerçado nos estudos de grandes figuras teóricas da Educação.

A flor subiu. Hoje ela se encontra perfumando os campos célicos e emprestando a sua simpatia para aqueles que lá já se encontram. Daqui, a nossa homenagem e a nossa gratidão, em forma de eterna saudade. Vai, flor, regue a semente plantada, aqui na Terra, e a veja crescer e se multiplicar entre os futuros homens do nosso país. Até um dia. Adeus!


Fernanda falando para os professores, em Natal, na abertura do Encontro Regional do III Módulo.



Eu, entregando o quadro a Fernanda. Início de julho de 2011.


Foto de despedida da Avaliação. Da esquerda para à direita: professores Isabel, Marfisa, Heliane, eu, Fernanda, Maria, Paiva, Jaíra e Laije.

 
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 07/08/2011
Reeditado em 19/04/2019
Código do texto: T3145032
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.