Fim de tarde no Araguaia

É engraçado como a nossa memória nos remete a lugares e momentos tão distantes no tempo.

Estava eu lá em baixo, dia desses, na área comum aqui do condomínio em que moro, quando de repente fez-se um desses raros momentos de silêncio aqui em São Paulo. Parece que os motoristas combinam e dizem: “Estátua”! E todos param por um instante, para novamente voltar à movimentação. E foi justamente nesse momento, em que o sol já estava se pondo, o horizonte um pouco vermelho, que ouvi alguns gritos de alguém chamando alguém ao longe. E não é que minha mente me levou para a beira do Rio Araguaia, na década de setenta?

Naquele tempo ainda não tinha água encanada, e muita gente tinha o hábito de no final do dia ir tomar banho no rio. Era uma procissão de pessoas se dirigindo para lá com suas toalhas sobre os ombros e uma saboneteira nas mãos. O mais engraçado é que naquela época, saboneteira parecia ser símbolo de status. Algo como o celular nos dias de hoje. Se seu celular não é um último tipo, hum... pois é, com as saboneteiras, parece que era assim também. Cada um queria ostentar uma mais bonita que as outras. Era saboneteira rosa, verde limão transparente, saboneteira com escova acoplada (essa, último tipo). Vez em quando se ouvia uma moçoila dizer: “você viu a saboneteira da fulana?! A outra: “Vi, parece que trouxe de Goiânia, a metida”. Acho que, se fosse nos dias de hoje, teríamos saboneteira com câmera, etc. E tinha cada saboneteira bonita...

E assim, o sol ia se pondo, amigos se encontrando, as comadres colocando a fofoca em dia, uma canoa acolá chegando com uma pequena provisão de peixes, o que garantia o jantar de um ou outro. Uma outra, com umas melancias, que aliás, alguém sempre dava um jeito de surrupiar uma.

O pessoal que estivera jogando bola também começava a chegar. E aí começavam as provocações de uns aos outros, em geral, com apelidos. E olha que Araguacema tinha uns apelidos fantásticos, só quem é de lá tem noção disso. Alguns exemplos? Andôcha, Torradeira, Gala Dura, Bunda Alegre ( homem) Pau de Fumo,e por aí vai, para me ater apenas aos pronunciáveis. Um gritava o apelido daqui, e a vítima respondia com um palavrão cabeludo seguido de alguns impropérios.

Tudo isso gerava um burburinho que me lembro até hoje. Era uma gama de sons que só ali, naquele momento, se podia ouvir. Algo nostálgico, talvez provocado pelo belo por do sol, oferecido diariamente aos araguacemenses. A mistura dos sons do rio, as pessoas conversando, um grito mais ao longe, uma risada. As conversas que se ouvia eram, em geral, ou sobre o jogo de futebol (treino) terminado a pouco ou sobre a vida de alguém, uma piada, seguida por um coro de gargalhadas. Vez por outra, alguém gritava dizendo que um cuiú-cuiú esfregara o dorso espinhento nas canelas de algum incauto. Eu particularmente acho não tinha esse tal cuiú-cuiú era nada, nunca vi.

Assim, pouco a pouco, junto com os últimos raios de sol, as pessoas iam indo embora até ficar novamente silêncio no rio. Eu pelo menos nunca presenciava esse silêncio, pois ia embora antes que todos fossem. E o medo de ficar sozinho no rio? Tinha nego d’água!

Assim foi por anos e anos a fio, até a chegada da água encanada e principalmente da televisão que exibe novela justo na hora daquele banho, e as pessoas perderam esse hábito, para o dissabor da molecada, que sempre estava ali para tomar seu banho e ainda ficar mirando as pernas das moçoilas que por ali estavam.

Ainda bem que temos as lembranças.

Bons tempos...

Aldir Lyra Zuma
Enviado por Aldir Lyra Zuma em 05/08/2011
Código do texto: T3141526
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