Amor, essa palavra de luxo

Pará de Minas acorda hoje sob a luz fraca de um sol invisível, escondido por nuvens densas e tristes... Ouço as notícias locais no rádio. Ouço meus filhos brincarem. Eles estão felizes: sorriem, correm, derrubam coisas...; curtem a manhã como se nada mais existisse além das brincadeiras e pequenas alegrias da infância, sem qualquer preocupação com o amanhã. Para eles o futuro não vai além daquilo que estão programando para agora, para os próximos minutos. Minha filha canta e conversa sozinha, inventando histórias, como faz seu pai em noites solitárias, quando todos estão dormindo. Mas, diferente do pai, ela não precisa escrever para fugir da dor, para não se sufocar com a alma que grita no silêncio e se debate entre monstros e abismos escuros. São histórias de borboletas e casulos, de cachorrinhos que se perdem e são achados, de patinhos que brincam na lagoa. Os desenhos ela mesma faz e colore. Os textos ela dita e eu escrevo, do jeitinho que ela conta.

Meus filhos acordam cedo. Adoram viver. Querem descobrir o mundo. O pequeno, de dois anos, percorre a casa com um tamborete nas mãos e sobe em tudo. Quer ver o que tem ali em cima, do outro lado, atrás, na frente... Quer explorar, brincar, conhecer. Ele também gosta de histórias... Parece que este vai ser o meu maior legado a eles: o amor pelos livros, pela fantasia da literatura [herança que não é pequena; ou melhor, é infinita]. Não tenho nenhuma estratégia montada para o futuro dos dois, pois sei que eles não me pertencem. Não forço nada. Oriento, coloco limites, estimulo a paixão pela leitura, mas de forma natural, sem obrigá-los a nada. O que eu faço? Leio perto deles, levo-os até a minha biblioteca e deixo que eles a explorem, compro livrinhos e revistinhas, leio para eles, invento contos, e sinto que eles têm prazer.

Prazer. Alegria. Saúde. Espontaneidade. É isso que eu quero para os meus filhos. Que eles se descubram e descubram o mundo, sem se preocuparem com convenções estúpidas, com regras pré-definidas sobre o sucesso, que criam caminhos artificiais: projetos que são verdadeiros pacotes de felicidade, quase sempre com os mesmos ingredientes: esposa rica, marido rico, casa de luxo, bom emprego, viagens, carros, prestígio, fama, poder, riqueza... É isso que eles realmente querem? Se for, que busquem isso, então. Mas se não for [e eles precisam aprender a difícil arte de descobrir que não é], que eles busquem outra coisa, algo que tenha a ver com eles, com o que há de mais verdadeiro e único neles.

Minha missão impossível é evitar que os artificialismos do mundo impeçam meus filhos de serem eles mesmos. Não tem jeito. Digo isso porque, apesar de todas as leituras que eu fiz, de todas as viagens de auto-conhecimento que empreendi, eu não consigo ser eu mesmo numa sociedade como a nossa. São tantas regras de conduta e de convívio social; tanto consumismo e futilidades, que não dá... simplesmente não dá...

Mas mesmo assim, eu tento mostrar aos meus filhos que no palco onde acontece este baile de máscaras que é a nossa vida, eles podem encontrar uma saída, um ponto de fuga, dentre deles mesmos: um lugar de prazer onde eles são aquilo que Deus fez, como Criador, e que, depois, nós, pecadores, ambiciosos e egoístas, destruímos. Porque eu não acredito [não consigo acreditar] que Deus tenha criado este mundo de injustiças no qual vivemos, onde deputados aumentam seus próprios salários em mais de 60%, enquanto crianças passam fome, cercadas de desamparo e solidão; onde pobres e negros são marginalizados e não conseguem estudar em boas escolas, mesmo sendo mais capazes e competentes que muitos brancos e ricos. Não. Deus não pode ter criado o mundo assim. Isso só pode ser obra do homem, imperfeito, orgulhoso, ambicioso. Por isso nossos filhos não precisam aceitar tudo que os cerca como verdades absolutas, já que esse mundo é artificial, criado por seres de vontades ilimitadas, forjadas na guerra, na violência, no consumo desenfreado, na ascensão ao poder e ao dinheiro: sempre mais, cada vez mais, infinitamente mais...

E o amor? Onde está o amor?

Tem gente que enxerga a vida como um grande tabuleiro, e as pessoas como peças de um jogo complexo, cujo objetivo único é a vitória. Nessa perspectiva, ser caridoso [sem transformar a caridade em estratégia de jogo, como fazem os políticos] é andar para trás; amar de verdade, só de amor, uma mulher pobre, sem patrimônio, é não sair do lugar, enquanto outros avançam rumo à prosperidade [não importa se não existir amor, se a relação com o outro for simplesmente contratual, seca, cheia de vazios]; não conseguir convencer o filho a fazer um curso respeitado, como Medicina ou Direito, em uma boa universidade, é como perder um peão no jogo; se o filho expõe à sociedade o seu vício em cocaína ou a sua homossexualidade, é um rei que é eliminado do tabuleiro.

A meu ver, se houver respeito ao próximo, a vida pode seguir seu curso sem tantos formalismos e ideias prontas sobre como deve ser o trajeto. Não quero que meus filhos vejam a vida como um jogo frio, sem amor, ditado pela sociedade de consumo. Não quero isso para eles. Não quero...

Descobrir o “eu” interior original e único de cada um não é fácil, com tantos estímulos capazes de nos desviar dessa descoberta. Meu objetivo, como pai, é tentar facilitar o caminho, ajudar meus filhos a se encontrarem. Se isso é possível? Confesso que não sei.

A única coisa que eu sei, parafraseando Adélia Prado, é que falta amor...

Essa palavra de luxo.