Lágrimas

Quinze minutos para a meia-noite. O tic-tac monótono do relógio. A grande sala, o tapete carmim cobrindo todo o seu piso, as duas poltronas próximas à janela, a janela e as cortinas brancas. A escada para o segundo pavimento, ninguém descendo, um aspecto de solidão. Todos dormiam, isto é, o pai e o irmãozinho. Algumas revistas sobre a mesa envernizada. Martha, acordada até àquela hora, procurava entender o Time. Quase meia-noite e mamãe nada. Disse que mais ou menos às 7 estaria aqui. Quando liguei, D. Olga falou que ela já havia saído. É claro que teria dado tempo. Que droga! Que terá acontecido? Um barzinho com uma amiga ou com alguém? Ta rúim, hein... Ela não é bem disso. Putss ..., coisas que só acontecem comigo. Papai num tá nem aí. Garanto que a mãe da Lúcia está dormindo. A mãe da Carla, quietinha em casa. A minha ainda não chegou. Tem nada não. Vai ver é a condução ou os engarrafamentos de sempre. Ela deve estar pra chegar. Vou ler um pouco. Aquele cara com cara de choro na parede ... Não sei porque mamãe quis aquele quadro. O pintor havia dado um colorido triste ao retrato de um homem. Que parecia estar chorando. Mas não havia lágrimas. Apenas o seu olhar cinzento, perdido no rosto magro, e os cabelos levemente grisalhos e meio desalinhados.

Martha enfiou a cara no Time. Mas não conseguia tirar os olhos do canto esquerdo da capa onde grandes letras vermelhas mostravam o nome da revista. Mesmo levando-se em conta o atraso da condução, já era pra mamãe ter chegado. Olhou o relógio: uma e quinze. Telefonar para o Pronto-Socorro? para o IML? Vou chamar o papai. Não, não vai adiantar. Sem largar a revista, tornou a olhar o homem que parecia chorar. Foi ela quem o quis. É bonito. Mas tão triste. Será que mamãe se lembra de quando o comprou? Vou perguntar-lhe. Levantou-se. Aproximou-se do corredor. Não se sentia em pé. Parou. Desistiu de subir. Não teve coragem de chamar pelo pai. Não sabia bem o que fazer. A única coisa de que tinha ciência, além da ausência da mãe, era o vazio que lhe enchia o peito de uma vontade de não fazer nada. Não vou chorar. E, no entanto seus olhos já estavam vermelhos. Bruscamente voltou-se. Tornou a se sentar. Vou ler. Pegou o Time. As grandes letras vermelhas. Mamãe, por que você não vem? O vazio aumentava. Ficou imóvel na cadeira durante alguns instantes. Depois olhou a parede em frente: o quadro. Novamente o olhar melancólico. Apertou a revista como se estivesse procurando encontrar alguma coisa dentro do peito. Sua cabeça caiu sobre suas mãos e a revista, que ficou toda molhada. Afinal chorou. As lágrimas brotavam sem ela perceber. Chorava sem saber que era o choro desejado. Podia ser o amor escorrendo por sua face. Era a convulsão. Era enfim o desabafo. Ou a ansiedade querendo sair de seu coração. Era a vontade de acabar com aquele vazio sem fim. Era o desespero. Eram as lágrimas ...

Vinte minutos após, Martha ainda estava com a cabeça abaixada. O silêncio continuava absoluto na sala. De repente ouviram-se passos. A cachorra lá fora latiu baixinho como sempre fazia quando chegava alguém de casa ...

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 04/08/2011
Código do texto: T3139792
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