Folha de ameixa

Chega o domingo, e então as pessoas somem das ruas. Sou um dos moradores das quadras 700 na Asa Sul – essas mesmas quadras que estão se organizando para impedir que o comércio chegue até elas. Brasília, na verdade, é um grande prato de comida, cheio de divisórias, em que o arroz não pode se misturar com o feijão, senão algo extraordinariamente horrível acontecerá a todos nós – uma indigestão social.

Mas hoje não é dia de organizar nada. As 700 estão vazias, e também as 500, as 300 e as 100 – foi o trajeto que fiz, mas ao contrário, vindo a pé do metrô para casa. Há uma porção de condomínios e não se escuta barulho algum. Talvez tenham saído de casa. São três horas da tarde. Ou estão todos lá dentro, concentrados em alguma tecnologia. As próprias quadras de basquete e futebol estão desertas. Vejo apenas uma ou outra pessoa caminhando – vejo, em especial, um pai levando uma filha. Fora isso, há apenas pássaros que sequer temem a presença humana, e verde, muito verde, um verde silencioso.

Dessa vez fui capaz de reconhecer, modéstia à parte, um ipê-roxo. As demais árvores continuaram me sendo todas estranhas. A única exceção é um pé de ameixa. Eu reconheço um pé de ameixa. Ou melhor, eu reconheço a folha de um pé de ameixa. Havia um pé na casa em que passei a infância, embora eu não me lembre que tenha havido ameixas nele. Mas lembro das folhas, e com elas minha mãe me ensinou a fazer um cata-vento. Arrancava-se um lado de uma das metades, e o lado oposto da outra metade. Colocava-se um pedaço de galho bem no meio. E então se esperava o vento, que naquele lugar era sempre forte, e o cata-vento girava. Assim fazíamos com as folhas do pé de ameixa, que aqui apenas enchem as calçadas e os jardins – e, além do mais, nem vento há.

Vejo dois seguranças que assistem televisão. Não há mais nada que possam fazer por ali. Os condomínios estão localizados em um lugar tão bonito, mas a grande pergunta que fica é: pra quê? De que adianta a natureza ainda resistir em meio a prédios na própria capital do país? Estamos em um domingo e, até agora, a natureza não tem servido para nada – pelo menos, não há por aqui quem a aproveite. Talvez sirva no momento de escolher onde morar. São os lugares mais valorizados. Talvez seja importante para as imobiliárias, e para as visitas. “Rapaz, você tem uma bela vista aqui, hein?”. E o morador concorda. Tem uma bela vista. E ela estará sempre disponível quando alguém se lembrar que ela está lá.

Nada acontece nas ruas hoje, e isso é uma coisa boa. Tenho tido dificuldade para dormir, e acho que é porque têm acontecido coisas demais. Se pudesse, eu escreveria uma crônica inteira sem que nada acontecesse. Uma crônica sem verbo. Apenas descrições, cheias de adjetivos precisos, e muitas comparações e citações. Faria um livro assim, e cada página levaria cinco minutos para ler. E eu ficaria contente, satisfeito por conseguir traduzir em palavras aquilo que, por enquanto, apenas sinto.

milkau
Enviado por milkau em 04/08/2011
Reeditado em 19/08/2011
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