Minha doce Maria
Minha doce Maria
Meu pai sempre teve o semblante fechado, mas seu rosto se iluminava e seus olhos se enchiam de lágrimas quando falava de Nossa Senhora. Jamais esquecerei as madrugadas, quando ele antes de enfrentar as estradas, vinha ao nosso quarto nos olhar e, depois, silenciosamente voltava os olhos para a imagem dela, num quadro antigo no canto da nossa sala. Era a imagem da aparição de Nossa Senhora do Rosário em Fátima, diante dos três pastores ajoelhados, toda rodeada de pequenos furos, que à noite se iluminavam e tornavam um quadro mágico aos nossos olhos inocentes de criança. A gente sabia que naquele instante ele colocava a nossa vida em suas mãos, enquanto a gente, também em silêncio, rezava para que ela tomasse conta dele na sua peregrinação de caminhoneiro, arriscando a vida todos os dias para sustentar os seus.
É muito forte a minha ligação com ela... a começar do meu nome, uma forma carinhosa dele demonstrar a extensão da sua fé e amor, além da gratidão por tudo que ele recebeu em vida. E por isso, nunca me esqueço da história de sua aparição e dos segredos que brotaram dela. O sofrimento do mundo naquela época, principalmente dos humildes explorados em sua dor e ignorância, foi talvez o motivo de sua vinda. Lembrar os homens para se apegar mais a Deus nos momentos de desespero foi iluminar o mundo de novo com a luz da fé. As guerras vieram, o mundo viveu seus momentos de insensatez, mas o homem sobreviveu aos destroços e abraçou a esperança, tornou-se mais solidário e com certeza, buscou mais a presença de Deus em suas vidas.
Mas o ser humano tende a esquecer a história... enterra as lembranças que machucam e às vezes, as que elevam também. E os momentos divinos vão sendo substituídos por outros mais terrenos, mais mundanos e cada dia, mais materialistas. São poucas as pessoas que se lembram do pedido feito em Fátima. As pessoas hoje estão por demais envolvidas na corrida louca da sobrevivência. Já não existem quase lares como aquele meu onde meu pai ia para o trabalho e minha mãe ficava ao nosso lado desde o amanhecer até a hora de ir pra cama, nos ensinando a viver e a agradecer cada dia com uma oração. Hoje as mães também vão à luta, dividem o sustento com o pai de família e a maioria dos filhos, só os vêem à noite, dominados pelo cansaço. Entramos todos numa roda viva onde a questão de ter sempre mais e mais e oferecer o melhor para os nossos filhos, virou obsessão. Mas o mundo tem nos mostrado todos os dias que para os nossos jovens, ter cada dia mais, nem sempre é sinal de felicidade. A questão do ser, esquecida por muitos, tem levado nossos jovens e crianças para as ruas, para as drogas, para o abandono e criminalidade. Não existe mais referência de família que se busca, que se une, que se ampara. Aprendem no dia a dia que é cada um por si, e saem por aí, procurando o caminho mais fácil, mas nem sempre o mais certo. A questão dos valores ficou para a escola, que perdida na busca do seu verdadeiro papel, deixa a desejar enquanto instituição de ensino, tentando substituir o papel da família. E vemos todos os dias crianças e jovens camuflando a carência familiar com comportamentos agressivos e respostas violentas em momentos que deveriam ser de paz. Eu ainda acredito que é por falta de fé também...
Acredito que Nossa Senhora também deve sentir um pouco desse vazio do coração dos homens lá de cima. Seus olhos misericordiosos devem até nos perdoar pela nossa culpa de vivermos hoje de maneira tão louca, tão distante do que nos pediu. Mas com certeza, o brilho do seu olhar deve ter se apagado um pouco com a decepção que nós, seus filhos, temos lhe dado todos os dias. E rezo para que ela venha ao mundo novamente, lembrar seus filhos das promessas e semear paz e esperança entre os homens. Acredito que as pessoas ainda sejam capazes de reconhecer um milagre e se enternecerem diante de um enviado de Deus, principalmente se for a minha doce Maria, minha mãe e madrinha, de quem eu recebo as bênçãos, todas as vezes que me chamam pelo nome. Por isso, Nossa Senhora, neste mês de maio, quando as crianças te coroam e entoam cantos de louvor, nos acolha em seus braços e nos ensine de novo a ver o mundo com amor.
Maria do Rosário Bessas