Falando sério
Falando sério
Para os países que levam a justiça a sério, não deve ser fácil entender como ela funciona no Brasil. Estamos vivenciando um possível atrito diplomático do nosso país com a Itália por causa da libertação do terrorista italiano Cesare Battisti, liberado pela Suprema Corte Brasileira. Aliás, não só libertado, mas também com as garantias e privilégios de um cidadão brasileiro, com a documentação providenciada para que desfrute de todas as mordomias que uma celebridade estrangeira possa desfrutar nesta terrinha, onde a impunidade é a lei. Teremos muito tempo para assistir sua ascensão como personagem histórico deste século, e em breve teremos suas aventuras publicadas em artigos de revistas, livros e filmes, com direitos autorais para garantir a sua vida fabulosa na sua nova pátria. Assim como foi com Ronald Bigs, um dos ladrões mais procurados do mundo, que viveu seus momentos de glória nas praias de Copacabana. Vimos também há pouco tempo, o chefe da FMI ser conduzido algemado para a cadeia nos EUA, passando pelo constrangimento como qualquer preso comum de ser fichado, preso e confinado no país, até que se defina a sua situação de culpado ou inocente. Fico pensando se isso tivesse acontecido aqui no Brasil, o quanto seria diferente o capítulo final dessa história. Com certeza a coitada da faxineira teria sido presa por assédio sexual, ou demitida e ameaçada por calúnia e difamação de uma autoridade tão poderosa. Jamais teria vez e voz para pedir socorro ou justiça. Aliás, ninguém teria acreditado nessa história, já que aqui é comum a corda arrebentar sempre do lado mais fraco. Não é à toa que tantos foragidos vêm correndo para o Brasil pedindo asilo e proteção de nossos políticos, quando tropeçam na sorte e precisam de um porto seguro. Aí sim, a justiça é ligeira e soberana, enfrenta poderes internacionais para mostrar sua autonomia e soberania. Ela só não funciona assim para os brasileiros, principalmente os pobres. Infelizmente no Brasil a venda é só um tapa olho, selecionando o que vale e o que não vale a pena ser julgado com rigor e seriedade, funcionando na maioria das vezes apenas quando a pressão da opinião pública ou a imprensa cobram atitude e coerência, como no caso dos Nardoni, do goleiro Bruno e outros casos que chocaram o país. No anonimato, a bandidagem continua solta, na maioria após um ou dois anos de cadeia, beneficiados pelas mordomias da lei, que lhes garante a redução da pena por um bom comportamento, que a gente não conhece os critérios para que aconteça. Prova disso são os casos reincidentes, como foi o caso recente de Cunha, onde um ex-detento assinou a sangue frio, duas lindas adolescentes no caminho de volta da escola. A dor e a revolta de cada família que perde alguém por falha da justiça é para sempre, é inesgotável. Mas o tempo apaga tudo e a gente já se acostumou com essas mazelas. Aliás, temos raízes da impunidade cravadas no nosso solo, pois fomos colonizados por apenados portugueses, que aceitaram vir para o Brasil a troco do perdão de seus crimes, e aqui fizeram história, cada um abafando o pecado do outro, numa conivência mútua para a sobrevivência. É por isso que ainda achamos natural que tanta lama role para debaixo do tapete nessa nação. Ainda corre um pouco desse sangue podre nas veias da nossa sociedade.