Que diferença há entre Brasil e Argentina?

As províncias de Corrientes e Misiones, da Argentina, têm tanto ou mais semelhanças com o Rio Grande do Sul que o Nordeste. O solo gaúcho e as províncias argentinas possuem um passado comum e diferem, basicamente, na língua. Se bem que expressões regionais dos dois lados do Rio Uruguai repetem-se. “Remolacha” ainda é utilizado, apesar de cada vez menos, para referir-se a beterraba. “Buenas”, “hasta la vista” e tantas outras expressões são costumeiras no Sul.

No ano passado, estive na cidade correntina de Gobernador Virasoro, participando do III Encuentro de Escritores del Mercosur e IV Encuentro Psiques. Foram dois dias debatendo sobre literatura, produção textual, leitura e as dificuldades encontradas para se produzir literatura nos dois países. Mais da metade das palestras eram em espanhol. A delegação brasileira compunha-se de 12 pessoas. Eu, minha irmã e outros dez membros da Casa do Poeta de Santiago (Santiago - RS). Foram eles, inclusive, que me convidaram.

Eu era um dos que melhor compreendia a língua hermana e acabei servindo de tradutor ao grupo. Claro que os palestrantes argentinos falaram devagar, “despacito”, e nós também nos expressamos numa velocidade mais lenta, o que facilitou a compreensão de todos.

As maiores dificuldades fizeram-se presente nos heterossemânticos, onde as palavras em espanhol são parecidas com as brasileiras mas contêm um significado totalmente diferente. A dúvida pairou em frases como “la ensalada es salada y dulce”, que significa “a salada é salgada e doce”.

Existem em Virasoro, dois grupos de estudos literários, ou como preferem dizer, oficinas literárias: Taller Psiques e Taller Ñuväití. Esclarecendo: “taller” significa “oficina” em português. E os nossos “talheres” são os “cubiertos” argentinos. Resolvidos esses problemas de semântica, as trocas de informações foram muito válidas.

Essas diferenças passaram a serem mínimas desde a primeira palestra do Encontro. A escritora argentina Myrtha Magdalena Moreno lançava o seu livro “Ángeles, conviviendo con el Síndrome de Rett” (Anjos, convivendo com a Síndrome de Rett) e expunha a tristíssima história de sua neta, portadora da síndrome. O drama da síndrome ultrapassa qualquer fronteira, não possui língua, cor, raça, nem credo. É aí que percebemos que, mesmo utópica, a ideia de John Lenon de um mundo sem fronteiras (Imagine, em “imagine there's no countries, it isn't hard to do”; “imagine que não existissem países, não é difícil de fazer”) não é descabida. Se Myrtha falasse português, a doença da neta teria a mesma gravidade e ela encontraria as mesmas dificuldades para tratá-la.

A Síndrome de Rett é rara, incide apenas em mulheres e ataca as funções neurológicas, estagnando o desenvolvimento mental, dentre outras consequências. Após diagnosticar a síndrome na neta, Myrtha passou a cuidar dela, pois seu filho, pai da neném, não tinha condições de criá-la e dar a atenção devida. A menina viveu até os 10 anos. Após a morte da garota, Myrtha dedicou-se a escrever sobre a vida daquele anjinho que se fora, ainda novo. Assim como a criança, muitas outras também sofrem dessa patologia e possivelmente seus pais não saibam.

São culturas diferentes. Costumes, músicas e língua distintos. Mas a paixão pela escrita, o desejo de um mundo mais letrado e a sensação de impotência diante de doenças que nos acometem, ultrapassam essas barreiras e falam uma língua universal. Aprender com os outros nunca é pouco. Conhecer um novo lugar sempre é bom. Ver gente nova, estabelecer novos contatos, novas amizades, é necessário. E perceber que há apenas um rio, a língua e alguns costumes diferentes separando-nos de um povo que tem muito a acrescentar em nossa vida, é essencial.