Tá com pressa? Sai mais cedo
Um motorista para atrás de uma manifestação de ciclistas, acelera com o seu carro, atropela muitas pessoas e foge do local. Depois, diz à televisão que estava sendo ameaçado pelos ciclistas e que se sentia acuado, não tendo outra alternativa que não avançar contra a multidão. Justificando a sua fuga, argumentou que se ficasse no local, seria linchado. O fato ocorreu em Porto Alegre, no dia 25 de fevereiro, o carro era um Golf e o motorista que tentou assassinar os ciclistas chama-se Ricado José Neis.
A sua arrogância em tentar inverter as culpas e fazer dos ciclistas os vilões da história faz pensar que as pessoas, ainda, acreditam que desculpas de pré-escolares podem ser aceitas sem revolta. Não tem como engolir. A mentira é descabida e os vídeos gravados em celulares ilustram todo o desespero em que o Sr. Neis transformou aquele protesto.
Não é de hoje que é perigoso trafegar em vias próximas a Ricardo Neis. Ele já havia cometido outras infrações graves de trânsito. De acordo com o Jornal da Band de 1º de março, o Sr. Neis já fora flagrado andando na contramão e dirigindo com excesso de velocidade.
A Disney antecipou a história do Sr. Neis, chamando-o de Sr. Willer. No enredo, o motorista era um pacato cidadão chamado Sr. Walker que se transformava no temível motorista-assassino, Sr. Willer.
Desculpas desprovidas de qualquer coerência como a do Sr. Neis são encontradas de forma barata em nossa sociedade. Deputados e senadores argumentando que não recebem reajuste há anos e transformarem seus vencimentos em gordos 26 mil é tão surreal quanto as desculpas do motorista gaúcho.
A impunidade que esperamos não bater à porta de Ricardo Neis assombra-nos, atemoriza, pois é comum num país empanturrado de leis que não são cumpridas. Não vamos muito longe. No último novembro, no mesmo bairro de Porto Alegre, o Cidade-Baixa, uma juíza aposentada “furou” uma blitz e acidentou-se com outros sete veículos. E a pergunta que não quer calar: Vossa Excelência foi presa? De modo algum. Deu uma passeada na delegacia de polícia, recebeu sua CNH de volta sob a condição de comportar-se (lindo conselho!) e foi embora dormir, sossegada. Deveria ter sido presa, mas se negou a fazer o teste do bafômetro, e, mesmo andando cambaleante, o laudo médico da perícia conseguiu ser inconclusivo.
Não nos assustemos com o Sr. Neis. Muitos outros motoristas perigosos estão à solta nas ruas. Alguns já foram presos, outros multados, outros subornaram e alguns ainda não foram flagrados. Não é de hoje que ouvimos histórias de amigos que relatam que tiveram uma discussão “feia” no trânsito, ou que sabe de uma briga por vaga em estacionamento, ultrapassagem perigosa ou um bate-boca no semáforo.
Estamos inseridos numa cultura consumista, reprodutora dos prazeres e desejos norte-americanos. Lá no Hemisfério Norte, a palavra de ordem é comprar. Os carros necessitam ser grandes e potentes. Precisam ter um forte ronco do motor. Moto não é moto se for de baixa cilindrada. Velozes e Furiosos (The Fast and the Furious) é sucesso lá e aqui. E é feio o motorista que dirige usando o cinto. Ou o motorista que não rebaixa o carro, não põe uma roda esportiva e que anda devagar.
Ao Sr. Ricado Neis, que parecia tão apressado no boliche humano e insensível por não parar, mesmo depois do atropelamento em massa, relembro uma frase de parachoque de caminhão que gosto muito: tá com pressa? Sai mais cedo!