RJ-372 - A beleza e caos da volta pra casa.

Baseado em fatos...

Oh! Volta pra casa... Tem que rir às vezes pra não chorar. Uma hora e meia, dentro de uma linha de ônibus no Rio de Janeiro; no meu caso, especificamente, na linha 372 - Pavuna X Tiradentes, na hora do rush do retorno pra casa me possibilita ingressar, e acredito que não só eu, mas a várias pessoas/passageiros, em um mundo à parte com vários ângulos de visão diferentes.

Tem a visão dos sentados. Dos que estão em pé, alguns tem caras de “tacho”. Dos que estão dormindo com a boca aberta. A visão de quem lê um livro entretidamente. Tem a visão do passageiro incomodado com uma pessoa que está dormindo em seu ombro confortável, num intercalar variável absurdo entre a extrema sonolência e o despertar repentino cada vez que o ônibus freia, ou que a pessoa incomodada dá uma ombreada pra afastar o indesejável; já estive nessa posição, não a do dorminhoco, que usa o ombro alheio pra dar cabeçadas, mas do que cede o ombro. A visão do motorista – esse só olha pra frente – A visão do cobrador – esse pode ser também um dos que estão dormindo com a boca aberta - só quem não pode estar dormindo com a boca aberta é o motorista, principalmente se o ônibus estiver em movimento, mas que às vezes dorme também, e é quando sabemos de acidentes no trânsito. Tem a visão do mini-camelô, um garotinho com, no máximo, 11 anos de idade vendendo, com uma habilidade de se comunicar de causar inveja aos mais experientes corretores, uma série de especiarias, dentre elas saquinhos com 10 balas por 1 real. Seu bordão é “Balas de luço, balas de qualidade...” (ele quer dizer luxo, mas tem a língua presa e não consegue). A visão do camelô mais experiente, ele não tem a mesma habilidade do garotinho de 11 anos, mas até que tem certa classe, sobretudo na hora de falar que seus produtos custam 1 cruzeiro. Tem a visão da criança no colo da mãe, que não entende as coisas direito ainda, mas que parece já se divertir com tudo a sua volta, porque realmente é engraçado, e às vezes até cômico. E tem a minha visão.

Bom! Comentarei sobre a minha visão de um dia no 372, somente o de hoje, porque o 372 em minha volta pra casa pode dar um livro.

Pra iniciar, comecei a viagem em pé após esperá-lo passar por quase 45 minutos. Tudo bem. Hoje estou de bom humor. Então o ônibus começou a encher e encher, parece que hoje o piloto não está brincando em serviço e está mandando a cambada pra dentro, até que não caiba nem mais uma azeitona. Começa um esbarra-esbarra cruel, um empurra-empurra louco, pois em um espaço onde cabem 46 pessoas em pé, se quer colocar 528, mas estou firme na minha, eis que entra uma bendita pessoa com uma mochila, talvez mais cheia que o 372, nas costas (claro, lugar de mochila é nas costas) e o drama começa. Tudo bem que lugar de mochila seja nas costas, mas dentro de um ônibus mega/blaster cheio, o cara podia tirar das costas pra atrapalhar menos, já que não atrapalhar nada é impossível, pelo menos no transcorrer da viagem. E os errados são os que tentam passar por ele no corredor apertado do 372 espremido de gente, ele ainda fica bravo. As placas tectônicas da terra resolvem todas, num dia só, se moverem dentro do 372, e o cara de mochila nas costas, no ônibus abarrotado, ainda se sente no direito de reclamar por encostarem nele.

-Ei... Está me atrapalhando meu amigo!

Ele usa um boné colocado na cabeça meio de lado, uns óculos escuros com aro branco e lente azul-marinho, uma calça jeans que só vai até a metade da bunda, e uma blusa escrita “peace in the world”. Só que neste caso o amigo é uma metáfora, pois não tem nada amigável no clima que está se formando, já que estão atrapalhando o dondoco da mochila nas costas.

É bem verdade que o cara que tentou passar e quase saiu levando ele junto com outros passageiros era uma pessoa muito, muito gorda, mas isso não é motivo pra tanta animosidade. E o Gordinho (ele era bem gordo... tipo muito gordo) retruca:

- Oh meu amigo... (quanta amizade se faz no 372 em 1 hora e meia de viagem) essa droga de mochila está atrapalhando a passagem!

O ônibus cheio faz o humor das pessoas se transformar de forma incrível.

- Quem está atrapalhando é você gordão...

- Quem é gordão @#~!!$@??

- É isso mesmo gordão!!!

E começa a confusão.

Os ânimos esquentam...

E a galera vibra...

A discussão começa...

O barraco se forma...

A Porrada quase come...

Alguns compram o barulho do gordinho, outros vão a favor do cara da mochila. Blá...Blá...Blá... E o tumulto quase se torna generalizado, mais empurra-empurra, bate boca daqui, retruca de lá, a criança que curtia, agora chora, outros gordinhos dentro do 372 querem agredir o cara da mochila, outras pessoas de mochila apartam. SOCORRO! Depois de algum tempo de clima tenso, os ânimos começam a se recompor.

Não que tudo tenha virado um completo sossego, o engarrafamento lá fora faz uma viagem que deveria levar uma hora e meia, levar mais de duas horas, e pra isso, algumas pessoas entendem que um passatempo seja necessário. Tudo bem... Mas depende do passatempo. Afinal, estou falando de um retorno pra casa após um cansativo dia de trabalho, por isso, colocar um celular pra tocar uma música escandalosa (geralmente funk) dentro de um ônibus apertado, é muita falta de educação, falta de bom senso, falta de tudo. A única coisa que sobra é a criatividade na “letra” da agradabilíssima música tocada pelo minúsculo, mas poderosamente irritante alto falante do celular de um fulano infeliz qualquer...

- rebola... rebola... rebola... rebola...

- Tá ligado... Tá ligado... Tá ligado... Tá ligado...

- rebola... rebola... rebola... rebolaaaa...

E essa “letra” dura uns 8 minutos para depois dar a vez à outra ainda mais criativa.

- vai descendo... vai descendo... vai descendo até o chão...

- vai subindo... vai subindo... devagar...

Uma cirurgia de coração, ou de cérebro, sem anestesia geral, seria mais agradável. Pois essas figuras acham que todos ao seu redor são obrigados a ouvir o que eles estão ouvindo, eles acreditam que o gosto pra música é uma coisa universal e humanamente homogênea, eles desconhecem o sentido de uma coisa chamada fone de ouvido. Nesse momento uma disputa começa, alguém do lado B do ônibus liga seu celular também, que é igualmente ou talvez até mais irritante, pra começar uma desleal disputa com o fulano do celular do lado A do ônibus. Ambos estão sentados. E vai... Salve-se quem puder!

- Aleluiaaaa... Senhor!!!!

- Pai... me deixa entrar no teu Reinoooo...

- Misericórdiaaaaa!!!

A disputa é realmente desleal, porque a mulher que canta o louvor é cinco vezes mais barulhenta do que o MC não sei lá das quantas.

Deus nos acuda, pois novamente um início de confusão se forma.

Já diz o ditado: “os incomodados que se mudem” mas o ônibus vai pela via seletiva, então não tem nem como descer e pegar outro. Tem outro ditado que diz: “se não pode com eles, junte-se a eles”. Então o negócio é fechar os olhos e orar, enquanto outros passageiros tentam rebolar até o chão.

- Dá pra desligar essas porcarias de celulares?!?!

Alguém pede com tom de voz agressivo. Outras pessoas abraçam a causa e pedem o mesmo.

- É mesmo, desliguem essas porcarias @#~%@!!!

O pedido é ignorado, o dueto MC x LOUVOR fica ainda mais estridente, e novamente a porrada quase come. A única pessoa que consegue não ligar pra nada é a criança??? Não! É aquele cara que continua dormindo no ombro confortável de outro passageiro, acho que ele é a única pessoa feliz dentro do 372, pois não sente o tempo da viagem e muito menos o escândalo ALELUIA x REBOLA.

Uma luz no fim do túnel surge, é o trânsito que começa a fluir e a viagem que parece que chegará ao fim, pois depois de uma certa distância andando pela via seletiva, o ônibus começa a parar para liberar a cambada. Só que não é o fim do drama de todos. Parece sacanagem, mas assim que o 372 se transforma em “parador” surgem fiscais de linha em cada ponto que o ônibus pára.

Então ele pára, o fiscal entra, anota uma coisa ou outra (se for o número de passageiros dentro do ônibus, ele só retorna à viagem no dia seguinte) confere um papel com o cobrador, cumprimenta o motorista e desce. No ponto seguinte o mesmo procedimento, e de novo, e de novo, parece o ritual do teste da paciência, pois o último que entra faz todo procedimento e, não satisfeito, ainda inventa de bater um demorado papo com o motorista, assuntos de vários temas: a morte de Bin Laden, a morte de Getúlio Vargas, a morte de Michael Jackson, a morte de Itamar Franco... e uma nova confusão começa.

- Libera o ônibus aí amaldiçoado!!!

- Isso mesmo @#%^@!%$!!!

O fiscal toma um susto e desce correndo antes que a próxima morte comentada seja a dele, e o ônibus segue a viagem.

Neste momento o ônibus já está bem mais vazio, deve ter umas 128 pessoas que se posicionam arquitetonicamente em frente à porta de saída do 372 (a saída é bem no meio do ônibus). Então fica aquela multidão, que não vai descer ainda, atrapalhando a saída de quem vai descer. A parte de trás já está completamente vazia, e a da frente também, mas as pessoas querem impedir quem precisa descer, de descer. Assim, quem precisa descer ainda sofre mais um pouco lutando pra chegar até a escada de descida, ou seja, a viagem inteira é só sofrimento.

Mas todo sofrimento um dia, ou uma hora, chega ao fim. Mais dois fiscais em pontos diferentes, um novo camelô entra, pasmem, é o mesmo moleque de 11 anos que entrou no início da viagem: “balas de luço balas de qualidade!”, 100 metros... O 372 começa a engasgar e...

Pifa.

- Todos pra fora...

Pede com satisfação o motorista com ajuda do cobrador.

- O ônibus pifou...

Os passageiros não acreditam no que está acontecendo, mas começam a descer um a um, somente um fica dentro do 372, o dorminhoco. O 372 de trás pára para resgatar os 152 náufragos, estes se unem a outros 167, só que a entrada deles é dificultada pelas pessoas também posicionadas estrategicamente na entrada do ônibus, afinal todo 372 é igual, e um novo esbarra-esbarra, empurra-empurra começa. Blá..blá..blá. Ufa! Chega minha vez de descer. Uma luta pra chegar até a saída, mas enfim consigo.

Não poderei falar sobre o que aconteceu até o fim dessa viagem com os outros passageiros, mas de uma coisa tenho certeza. Amanhã é um novo dia, e um novo capítulo dessa história dentro do 372 em um retorno pra casa em horário de rush é escrito.

Fim!

Prof Cristiano Cruz
Enviado por Prof Cristiano Cruz em 03/08/2011
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