OLHAR DE QUEM SONHA

Entrei no circular rumo ao trabalho naquele inicio de tarde certo de não encontrar acentos vazios. Para ser mais claro, nem esperava por espaços sobrando para ficar em pé. Como um trapezista esticando o braço para segurar nas barras no corredor do veículo, busco obter equilíbrio, habilidade que não pode faltar a nenhum passageiro desta vida ou de ônibus circular.

Assim que achei o amigo equilíbrio, algo me chamou a atenção entre os passageiros sentados. Notei que alguns lugares entre os acentos aparentemente estavam vazios. De onde eu estava não via o rosto de alguém que poderia estar sentado naqueles espaços. Com um pouco de contorcionismo dei alguns passos em direção a estes lugares. Arriscando um olhar de quem nada quer encontro à altura de uns 40 centímetros do assento um topetinho de cabelo cheio de reflexos de gel cuidadosamente aplicado. Certamente, veio-me à mente, foram as mãos caprichosas da mãe do passageiro mirim que fizeram aquela escultura capilar.

Ao lado da criança, que pelos meus cálculos ainda não havia soprado 5 velinhas, noto uma jovem senhora. Os traços do rosto dos dois denunciavam que se tratava de mãe e filho. O olhar da criança para os que o rodeavam era curto e ligeiro, como de passarinho assustado. Entretanto, quando se voltava para a mãe, o olhar arisco parecia espreguiçar-se sobre ela. Havia entre eles um ar de satisfação. Ambos, modestamente bem vestidos, pareciam seguir para uma ocasião especial. Os pés do filho que nem tocavam o chão, balançavam como querendo apressar a chegada. “Qual seria o destino deles?” fiquei a pensar.

E o que acontecia com os outros lugares que pareciam vazios? Acertou quem respondeu que também levavam a dobradinha mamãe e filhote, comportados e banhados de expectativas. Geralmente, as mães com filhos de idade como aqueles, precisam de mais de dois braços para contê-los no banco. Entretanto notei que aquelas não estavam usando nem os dois que possuíam para ter suas crias quietas e bem comportadas.

Ao ver que as crianças usavam camisetas idênticas, com a frase “Diferentemente iguais”, o enigma do destino delas se desfez. Seguiam para um evento entre pais e filhos aos funcionários da empresa Unipac, pertencente ao grupo Jacto, do qual também faço parte. Assim, tornou-se fácil entender o comportamento delas, pois estavam prestes a conhecer e ter atividades no local de trabalho da mãe ou do pai. Seria para elas como penetrar no esconderijo do seu super-herói. O mistério daquele lugar guardado entre muros, e só conhecido em parte pelas estórias ouvidas no jantar, se revelaria em poucas horas entre brincadeiras e muito mais.

Enquanto trabalhava naquela tarde várias vezes vinha-me à mente a imagem daqueles olhares entre mãe e filho. Não sei se continuaram a se olhar como os vi, mas ficou claro pra mim que o sonho e a esperança compartilhada mudam os relacionamentos e o mundo que nos cerca. Como eu gostaria de ter sempre sonhos para compartilhar. Deus... ajude-me a viver imerso num sonho que mude meu olhar.