Esperando a Primavera
Apesar das alterações climáticas trocando a consistência das estações do ano pelas repentinas frentes térmicas, que deixam nossos guarda-roupas em constante sobressalto, apesar disso, a primavera alegra sempre com sua beleza colorida e peculiar.
A natureza, não obstante todos os assaltos e seqüestros que sofre, continua respirando e oferecendo o que tem de melhor. E nela tudo é melhor.
Curioso e um tanto implicante que sou (não muito) observo a sintonia do humano com o ciclo sazonal, formando um todo integrado. Olhamos a natureza mudar e mudamos juntamente com ela. Não é só ela que troca as roupas, abrindo as malas do coração da terra. Nós fazemos a mesma coisa, guardando o usado e usando o guardado. Nós também somos primavera, verão, outono e inverno.
Em nosso universo interior, as estações sucedem-se, às vezes de modo acelerado, em contrastes de curto prazo. O que ria ontem, hoje está chorando. Parece que as árvores, tão diferentes entre si, são mais irmãs que nós, aparentemente tão iguais. Esta rápida sucessão interior de estações, prende-se ao convívio humano e dele depende. Nem é preciso chegar ao topo da maturidade para que a vida anoiteça. Ele chega ao inverno. Com o inevitável sopro de melancolia no baile emocional do dia-a-dia. No processo de coisas que surgem, que começam com a certeza de acabar.
Há beleza em tudo. Mas o homem nem sempre a percebe. Numa exposição fotográfica, nosso olhar estaciona admirado, tanto nas bochechas róseas de uma criança, como nas rugas acentuadas de um velho nonagenário ou no material de trabalho das anunciantes de cerveja... São belezas diferentes...
Não podendo selecionar as estações do tempo, acabamos selecionando as estações humanas. Olhamos as rugas com desdém, esquecidos de que elas também nos observam. Nem atentamos para o fato de que o olhar moço de hoje será o olhar velho de amanhã. Estamos, quase todos, alucinados com o momento que passa, à maneira de Fausto, seduzido por Mefistófeles, no antológico drama de Goethe.
A chamada modernidade está produzindo o mais trágico divórcio da História: o divórcio entre o homem e a natureza. Que equivale a uma implosão do humano. Somos cada vez mais artificiais. Cada vez menos naturais. Cada vez menos humanos.
Recentemente, na sala São Paulo, num programa de música erudita, um autor contemporâneo tentava explicar o significado de sua música. Tentava explicar o inexplicável. A música o explicava melhor do que ele a ela. Pois ela falava do cálculo, do artifício e, sobretudo, da falta de sensibilidade. Música sem melodia, sem harmonia, sem ritmo, sem inspiração. A arte refletindo o homem de hoje. Frio. Distante. Insensível. Sem fogo interior, sem inspiração. Pretensamente racional, mas extremamente ilógico, porque distanciado da natureza, aquela que, como as outras mães, é a única capaz de educar. Acho graça das chamadas artes contemporâneas. São contemporâneas, mas não são arte.
Beethoven não precisava explicar sua música. Ela mesma era a explicação.
A natureza não fecha sua escola. E, como em todas as escolas, há os alunos que não querem aprender, muito menos ler, menos ainda pensar. Estamos no absurdo do individualismo exacerbado, onde cada um olha para si mesmo, ouve a si mesmo, fala consigo mesmo, afaga a si mesmo e perdeu a capacidade de perceber e sentir os outros.
A natureza não fecha sua escola. Ali em baixo, em plena avenida, vejo a orquídea gostosamente agarrada ao ipê, olhando silenciosa e roxa as vergônteas rechonchudas da parreira que chega e estica os olhos para o limoeiro carregado, enquanto a ameixeira bem alta contempla a todos...
Primavera! Aula inaugural da natureza linda, dizendo que vale a pena encarar todas as Estações, não importando as intempéries. Pois no final a vida retorna e a morte é provisória. E lá na frente, mais ao longe, há uma primavera esperando todo mundo, com o guarda-roupas repleto de beleza, bastante para todos, preparando-os para a festa da Vida, na Casa do Anfitrião apaixonado, que nos ama e conhece nossa sede infinita de viver!
Primavera na natureza vem chegando... E o humano mergulhado no seu inverno longo e triste...