ENCONTROS E DESENCONTROS
ENCONTRO E DESENCONTROS
Crônica de Carlos Freitas
Conhecemo-nos de forma, diria hilária. Num calçadão do centro. - Imaginem aquela situação onde duas pessoas ainda distantes, põem-se a se desviar uma da outra, e acabam inexoravelmente num encontrão. - Foi assim conosco. Olhei para o rosto daquela estranha, imóvel à minha frente, e exclamei: - Meu Deus, você se parece muito com a... - Solange – disse ela atropelando-me. – Solange! - exclamei surpreso. - Quem é Solange? - Eu – disse ela com um sorriso de escárnio. Devolvi o sorriso. Aquela mulher ousara interromper o meu ritual de conquista. Estava inseguro - ela me embaralhara.
... Tarde de sol escaldante!
– Estou pensando em cerveja - que tal? - sugeri. Com ar de deboche, ela olhou-me nos olhos dizendo: - Engraçado – Prefiro ser Contigo ou Caras. Ser Veja nunca! Ah, não está falando sério – retruquei nervoso. Minha cara, falo da bebida cerveja, beer, chope, e não de revista. - Olha aqui, disse ela, não sei por que, estou perdendo meu tempo com um sujeito que nem conheço. Gostaria que aprendesse algumas coisas básicas. Exemplo: uma pessoa culta não diz chope, e sim shopping. Quem sabe não poderemos ir a um e, enquanto apreciamos as vitrines, falamos sobre nós? – Podemos até fazer isso, respondi, mas, antes preciso saber se tens uma chave que inverta o teu canal de recepção, porque tudo que entra pelos teus ouvidos, é processado ao avesso pelo teu cérebro. Não entendi – disse ela, aparentando mágoa. Vou lhe fazer uma pergunta – Tens namorado? – Ah. Não vai dizer que está interessado nele? - É isso! Acabou de corroborar o que lhe disse! - Solange, desse modo, será impossível evoluirmos para um diálogo decente - ouça-me. - Faça-me uma pergunta, e mostro-te como responder, ok? Com um meneio ela concordou. Pensativa por um tempo curvou a cabeça... Quando a ergueu, seus olhos pareciam querer desvendar algum segredo, que imaginava eu tivesse. – Estou esperando – disse impaciente. –Está bem. Quero ver se é um homem espirituoso. – Você já foi a Roma? – Não, ainda não fui a Roma. – Ah, então você é um homem sem boca! - exclamou ela. - Sem boca? – rechacei. Perdão, mas você não me parece uma criatura normal. - Claro que sou – disse exaltada. Infinitas vezes você já ouviu dizer que... "Quem tem boca vai a Roma", não é? - Não acredito no que ouço – disse controlando-me. – Outra pergunta: - Qual é o seu nome? – perguntou. Surpreendido, por esperar algo mais contundente, retruquei – Mas, isso não é o mais importante! – Então é também um homem sem nome, que horror. – Tens pedigree? – Como assim, agora me comparas a um reles cachorro? – Estou vendo que além de sem boca e, sem nome, é também preconceituoso! – Não entendi. Seja mais clara. – É simples - dizendo-me que tens pedigree, vou saber que tens origem, linhagem, família, pai, mãe, e que não é filho de chocadeira. Acaso não sabes que os cães com pedigree são os mais caros no pet shop? –Tens razão pelo pedigree, e não pela chocadeira - disse. - Você por certo tem pedigree - emendei. Posso ver isso nesses seus bem torneados, apaixonantes e estonteantes olhos verdes. Daí, concluo que tendo pedigree, tens também um apartamento - acertei? – Sim – disse ela. Agora você radicalizou. – Pois então meu amor – é lá que poderemos discutir cada segredinho e, acertar nossas diferenças verborrágicas deliciando-nos com um puro Chatô. - Que tal? - Concordo com tudo o que disse, menos com o tal do CHATÔ. É uma palavra bem brasileira. E se pronuncia “chato” mesmo, como você está sendo agora. Definitivamente, desisto! - suspirei - Está bem Solange, conversamos depois, sobre quem é o verdadeiro chato. Nesse instante, só quero saber se vamos ou não ao seu apartamento. - Vamos? - Ela levantou-se exaltada: - Meu Deus, e a desconexa aqui sou eu! Você ainda não percebeu que enquanto conversávamos, também caminhávamos e que já há algum tempo, estamos sentados no sofá da sala do meu apartamento?
Decididamente, aquela mulher havia embaralhado minha sintonia e equilíbrio.
Subitamente, agarrei-a e dei-lhe um prolongado e delicioso beijo, selando nosso encontro, e, calando nossos desencontros!