No escondidinho da alma

Lá nos meus quatorze anos, vivia cantando, já entendida que podia ser verdade, quando ”Fica sempre um pouco de perfume, nas mãos que oferecem rosas, nas mãos que sabem ser generosas, dá um pouco de alegria a quem tem menos ainda…”. Há letras de músicas, lugares, cheiros que são marcantes na nossa memória e são justificados pelo grau de significância que tiveram.
Sair um pouco de si, abrir o seu mundo para o outro, para uma ação compartilhada, para um ato solidário é uma experiência prazerosa, mas creio que tem muito a ver com os exemplos observados no meio onde foi criada, nos estímulos que ocorreram , bem como no temperamento que se tem. Normalmente, quando se pratica um ato caridoso, de solidariedade, é comum pensar que fez por desprendimento e que não quer nada em troca. Conversa! O ato é praticado, mas se sabe, no escondidinho da alma, que a natureza dá o retorno, como aquela famosa frase, acho que bíblica: ”Você colhe o que planta”.
Li “Breves entrevistas com homens hediondos”, que são contos do americano David Foster Wallace. O título do livro já apontava para textos intrigantes. É um material perturbador e apresenta alguns tormentos psicológicos; havia momentos que queria parar, mas algo me impulsionava para ir adiante e valeu! Há um conto “O diabo é um homem ocupado”, relatando uma boa ação praticada, envolvendo dinheiro para ajudar um casal. Diz que o anonimato possui um valor intrínseco de boa ação praticada, mas que no fundo desejaria que eles soubessem a sua identidade para sentirem gratidão e reconhecimento.
No livro encantador “Querido John”, de Nicholas Parker, dentre várias passagens humanitárias, a mais bela é o anonimato de John, para tentar salvar a vida de seu rival. O amor valendo por ser o mais puro e profundo amor, sem busca de reconhecimento pelo ato de imensa generosidade, mostrando um desprendimento, sem que precisasse o outro atestar o quanto ele tinha sido bom. Raras são as pessoas capazes de ação semelhante, mas ainda há.
Sempre pensei que a caridade, quando é espalhada aos “quatro ventos”, perde muito de seu gesto generoso. O que mais se vê é divulgação das boas ações. Se vale a contagem interior, não cabe julgar. Entretanto, como se vive no mundo da esperteza, só ajudando o outro quando se tira alguma vantagem, ou abatendo no imposto de renda, ou dando o que enchia o guarda-roupa e outras “caridades”, mesmo assim parecem válidas as ajudas, já que estamos acostumados a ver a prevalência de comportamentos individualistas, egoístas, o voltar-se só para seus interesses pessoais. Sonhar seria desejar que as pessoas doassem para ficar um pouco de perfume nas mãos, pelo simples prazer de sair um pouco de si mesmas.
Edméa
Enviado por Edméa em 02/08/2011
Reeditado em 03/08/2011
Código do texto: T3134366