Fases da vida

Cabeça vazia. Minha vontade de escrever pulsava, mas nada me vinha à mente. Fui caminhando pela rua, prestando atenção ao menor sinal de ruídos, pessoas, assuntos ou locais interessantes que inebriassem minha visão, meus sentidos.

Preciso sentir para escrever. Sentir-me acesa por situações cotidianas que me transmitam reflexões ou que simplesmente me toquem de alguma maneira. Escrever, pra mim, não é algo sem sentido. Muito pelo contrário. Traz em si uma carga intensa de pensamentos, momentos introspectivos, sensações.

Parei em uma praça e, depois de cansar já com algumas voltas, sentei em um velho banco verde. Fechei os olhos, respirei fundo. Estava prestes a viver um dos melhores momentos de domingo: permanecer quieta, no mais absoluto silêncio, observando. Respirando o ar puro das árvores em volta, fiquei ali. Por minutos deixei de lado a esperança de que algo acontecesse, e sequer tive vontade de presenciar algum fato que me despertasse a vontade de escrever.

Experimentava uma sensação reconfortante quando olhei para o lado e vi uma senhora chegar. Bem vestida, cabelos - que certamente já eram brancos - pintados, unhas feitas e grandes brincos perolados. Desceu de seu salto alto, ajeitou as calças pantalonas e a pochete na cintura. Abriu uma sacolinha de supermercado enquanto posicionava-se logo ao lado de um equipamento de ginástica. Sacou um par de chinelos da sacolinha e, agachando com certa dificuldade, colocou-os diretamente no aparelho.

Olhou para o lado, ajeitou os cabelos pintados e subiu, em um pé de cada vez, até se equilibrar no que parecia um patinete. Ajeitou, com a pontinha do pé, o par de salto alto que tinha ficado ao lado, de fora do aparelho. Começou, então, com vigor no rosto, a patinar, para frente e para trás, peito estufado e radiante.

Ninguém em volta notou e ela pareceu não se importar. Do velho banco verde, sorri como que para mim mesma, me imaginando daqui a alguns anos, quando meu prazer poderá ser bem aquele: mostrar ao mundo o quanto ainda estava viva, inteira e feliz. Olhei para a minha barriga. Ela também estava ali sossegada, quietinha. Provavelmente daqui a alguns anos o prazer dela também seria como o meu: sentar em um banco de praça para simplesmente apreciar o mundo e vivenciar o silêncio.

Permanecemos, eu e minha filha, ainda ali por longos minutos até irmos pra casa, deixando a senhora a patinar e pensando na beleza que cada fase da vida traz.

Livia Torres
Enviado por Livia Torres em 31/07/2011
Reeditado em 31/07/2011
Código do texto: T3130774
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