A Escrita…uma espécie de solidão…
É algo de perfeitamente contraditório, mas essa contradição é um estado tão natural da literatura como a literatura em si…
Escrevo para as pessoas, tudo quanto escrevo é a pensar nas pessoas e não em mim, a escrita passa por ser mais uma forma de comunicação, apenas mais uma forma de comunicação, mas se pegarmos num certo conceito de comunicação tal entra na tal contradição de que falo algumas linhas mais acima…
Porque a escrita é por si um acto isolado…: podemos estar no meio de uma multidão, mas quando escrevemos estamos centrados, concentrados, em algo, e por isso a tal solidão toma conta de nós, apesar da destinatária final dessa escrita ser a própria multidão…E sim…já dei comigo a escrever no meio de uma multidão, e enquanto escrevia essa multidão deixou de existir, tudo deixou de existir, até que acabei de escrever, dei tal a partes da multidão, tornei essa escrita um objecto de comunicação, mas o acto em si foi de um profundo isolamento ao ponto de ter ignorado a tal multidão…para a qual estava a escrever…
E depois há outra forma de solidão dentro da escrita, hoje minorada pelos meios de comunicação, ou redes sociais virtuais, ou diversos meios tecnológicos que o tempo permitiu que estivéssemos sempre ligados a qualquer coisa se assim o entendermos…
Tal acontece não quando acabo um poema, um conto, mas um Livro…
Tenho um hábito velho, um ritual, dos tempos em que completei o meu primeiro livro, em finais da década de 90…: cada Livro implica imensa dedicação, horas, imensas, de pesquisa, independentemente do carácter desse livro, horas de pesquisa e inspiração que tanto podem passar por recolha de informação, ou como viagens, ora curtas, de horas, ora longas, de dias ou meses, de forma a me inspirar, tudo, tudo algo isolado, embora, reforço o que disse, o produto final, o Livro ser sempre para as Pessoas…E de repente acabei esse Livro…paro por fim do frenesim a que esse Livro me levou, e paro…Acendo um cigarro e ouço uma música que quero especial, para marcar O Momento em que o Livro ficou pronto, para que esse Momento perdure na minha memória, porque cada Livro para mim é um Momento que permanece intacto no tempo em que o acabei…
E por vezes dou comigo no meio de mais uma multidão, poucos minutos depois de ter acabado um Livro, a ouvir a tal música, a fumar o tal cigarro, imensamente feliz no meio da multidão para a qual escrevi o Livro mas que me ignora, porque sou apenas mais uma pessoa a fumar e a ouvir música, apenas mais uma indistinguível de todo o resto, não reparando que me encontro a sorrir imensamente feliz porque em pouco tempo esse Livro ou parte dele tocará essa mesma multidão que me ignora…(maravilhas da Grande Rede…)
Claro que eu podia ser mais extriónico, tornar-me visível no meio da multidão, querendo partilhar a felicidade de mais um Livro pronto, querendo partilhar mais um momento de comunicação, mas a literária não é imediata, e só quando for lida é que se dá a tal comunicação…
Por isso esse momento final é de uma enorme surrealidade…: ali estou eu feliz, literalmente aos pulos enquanto quieto fumo e ouço a música, ali estou eu radiante por ter acabado algo para uma Multidão, mas ignorado por essa mesma multidão…
Claro que dai a algumas horas saio para comemorar com pessoas próximas a mim, mas não escrevi só para elas, escrevi para a tal Multidão, e por isso não tem o mesmo sabor ser acarinhado pelos nossos ou pela multidão destinatária final da escrita…
Porque o desejo mesmo é que no momento em que acabo mais um Livro os rostos estranhos se tornem familiares e toda a gente sorria, toda a gente comunique, toda a gente fique feliz, nem que seja por um instante, por um momento, porque a minha escrita vale o que vale, cada um tem direito a formular uma opinião sobre ela, mas a partir do momento em que ela acaba transforma-se no tal Momento para a multidão…
Ou para resumir de final de escrita, numa frase…
"E então quando parou por fim e se apercebeu da real dimensão dos mundos que tinha conquistado, o que ele fez...? Alexandre chorou..."