Onda
Tento apanhar em palavras uma onda que vejo, como tantas outras vezes, falho. Não sou capaz de descrever mera vaga, que espuma tornou-se e para o oceano retornou, imagine então, se poderia do resto falar.
Se a onda, coroada de branco, tal qual senhor grisalho, sou incapaz de descrever, que faria com tantas outras coisas? Como a areia que gruda na sola de meus pés, o vento que acaricia um rosto que, com carinho, mulher alguma em bom tempo fez. Ainda há mais, o sentimento de pequenez ao encarar o quase infinito mar, o salgado aroma da brisa, o riso da criança que corre, o sabor acre da cerveja passada.
O infante corredor mostra-se de certo modo um paradoxo, pois alegra-me vê-lo ao mesmo tempo em que entristece-me senti-lo. Inocência sobre duas pernas, algo para todos perdido; seu riso abafa o quebrar das ondas, seu deleite com algo tão banal, como correr a esmo, de tão inebriante, irrita. Irrita não pelo ato em si, mas por minha incapacidade em gozar do mesmo, tal qual pássaro preto que passa ao meu lado e vai-se voando contente, vai-se este pensamento.
Sinto-me insensível à tudo aquilo que vejo, que deveria sentir, que tento com a escrita apanhar, outra onda colide com o cinza da areia dura, ao longe, e por ela se arrasta. Noto que ela, campeã dos mares, esforça-se ao máximo para ir o mais longe possível, como se desejasse, milímetro a milímetro, engolir a terra. Tal perseverança, do belo mar que a milênios tenta engolir a terra, inspira-me, ainda que, infelizmente, não faz com que encontre as palavras para encarcerar a já citada onda numa linha ou noutra. O que por sua vez, faz com que me depare com tantas outras falhas em transmitir aquilo que vejo, que sinto. Como por exemplo, o carinho que por alguns me preenche.
Quando sorria para alguém que guardo fundo no peito, o gesto não faz jus a extensão daquilo que queria passar, quando verbalizo isto para tal pessoa, as palavras mostram-se incongruentes com o que deveria ser dito. É fácil então, pensar sobre a escrita, e meu desespero. Nunca fui de demonstrar, ou de muito falar, sempre tive no escrever meu retiro, meu escape, deste modo angustia-me ser incapaz de expressar-me devidamente, na única maneira em que possuo alguma eloqüência, ou deste modo pensava. Achava-me, até instantes atrás, hábil com a palavra escrita, e num momento epifânico passei a notar o tamanho de meu equivoco. Sai de casa de muros baixos com três cervejas e um objetivo, levemente embriagar-me ao ponto de livrar-me da sensibilidade que me corrói, e prender uma onda em palavras. Agora duas cervejas esquentam na areia fofa e infinitas ondas quebraram à minha frente e retornaram ao oceano que as pariu, troçando de meus esforços para capturar ao menos uma delas.
Foi quando, sentado de caneta na mão e caderno no colo, vi a primeira ondinha, ainda tímida e silenciosa, ir e voltar, e nada consegui escrever que fizesse-lhe justiça, que notei o quanto foram vãos meus esforços até agora. Se tudo aquilo que pensei ter passado, através de verso e poesia, foi tão diáfano quanto o que consegui com minha tentativa deste dia, não seria um erro dizer que nada fiz. E mais do que a tristeza que sempre me acompanha sorridente, mais do que a dor que jamais me deixa, mais do que a saudade que aperta, choro que não chega, carinho que falta; me dilacera esta descoberta.
Nunca tive a pretensão de ser um dos grandes, pilar da literatura, titã da escrita, mas sempre acreditei que poderia transmitir o triste sentir que carrego comigo, desde um tempo do qual as recordações me fogem. Abafo um grito desesperado que parece implodir meus pulmões. Despedaçado, imerso em dolorosa frustração, abro outra cerveja, encaro outra onda e penso seriamente em atirar meu caderno na próxima que vier.
Se não consigo prendê-la nestas páginas, ela que engula minhas vãs palavras.