DO GOLPE NA COSTELA DA MACACA
O macaco caiu da árvore e bateu com a cabeça na pedra, uma das versões profanas dos primórdios do homem. Da fronte na pedra, o pensamento, a primeira palavra. O mundo humano nasceu de um choque que repercutiu violentamente na costela da macaca, assim tornada repentina ex-companheira.
Daí pra frente, o texto do mundo volta e meia empaca, um vírus apaga os programas e a pequena criatura humana em frente do computador se cala por fora e por dentro, nunca como aquele proto-ancestal antes da cair da árvore.
Árvore não árvore, pedra não pedra, fronte não fronte, tudo apenas e inutilmente frente a frente, sem que quase ninguém, em qualquer tempo, tenha compreendido direito o que quer que seja, ou seja, o legado da plena ignorância, desde aquele derradeiro macaco e proto-homem.
O "quase ninguém" refere-se à nostalgia do divino, partilha nossa, também, desde o início; talvez, quem sabe, também se refira à quase crença de muitos em alguns super-humanos (não à moda de Nietzsche), super-humanos que teriam vindo e vêm, ao longo dos tempos, para que não nos morra, em definitivo, os sonhos utópicos.
A bola estilhaça a vidraça e o pintor se lembra do primeiro traço na tela em branco, que virava um quadro, que se emoldurava, que se expunha, que se transformava em cifra.
O mosquito passa pela boca e entra, o mundo entra por um ouvido e não sai pelo outro e a pequena criatura humana, diante do computador, continua aguardando que algum deus ou qualquer outro humano lhe diga o que fazer.
O macaco caiu da árvore e bateu com a fronte na pedra. A pobre macaca, sua de repente ex-companheira, tentou socorrê-lo, mas já era tarde demais.
Republicação na manhã de 31 de julho de 2011, domingo.