Meu heróis morreram de overdose
Recebi um email essa semana que me intrigou mais do que de costume. O título: Cazuza, um idiota morto. Trata-se de uma psicóloga criticando o público por idolatrar um cara que tinha como principal frase ideológica: “Todos os meus heróis morreram de overdose.” De acordo com a psicóloga, que é um profissional que se atém ao comportamento humano e deve zelar para que possamos viver melhor, solucionando problemas e ultrapassando obstáculos, a mensagem sobre o artista deveria ser divulgada para todas as famílias. Segue transcrito na íntegra:
'Fui ver o filme Cazuza há alguns dias e me deparei com uma coisa estarrecedora. As pessoas estão cultivando ídolos errados. Como podemos cultivar um ídolo como Cazuza? Concordo que suas letras são muito tocantes, mas reverenciar um marginal como ele, é, no mínimo, inadmissível. Marginal, sim, pois Cazuza foi uma pessoa que viveu à margem da sociedade, pelo menos uma sociedade que tentamos construir (ao menos eu)com conceitos de certo e errado. No filme, vi um rapaz mimado, filhinho de papai que nunca precisou trabalhar para conseguir nada, já tinha tudo nas mãos. A mãe vivia para satisfazer as suas vontades e loucuras. O pai preferiu se afastar das suas responsabilidades e deixou a vida correr solta. São esses pais que devemos ter como exemplo? Cazuza só começou a gravar porque o pai era diretor de uma grande gravadora. Existem vários talentos que não são revelados por falta de oportunidade ou por não terem algum conhecido importante.
Cazuza era um traficante, como sua mãe revela no livro, admitiu que ele trouxe drogas da Inglaterra, um verdadeiro criminoso. Concordo com o juiz Siro Darlan quando ele diz que a única diferença entre Cazuza e Fernandinho Beira-Mar éque um nasceu na zona sul e outro não.
‘Fiquei horrorizada com o culto que fizeram a esse rapaz,principalmente por minha filha adolescente ter visto o filme.Precisei conversar muito para que ela não começasse a pensar que usar drogas, participar de bacanais, beber até cair e outras coisas, fossem certas, já que foi isso que o filme mostrou. Por que não são feitos filmes de pessoas realmente importantes que tenham algo de bom para essa juventude já tão transviada? Será que ser correto não dá Ibope, não rende bilheteria? Como ensina o comercial da Fiat, precisamos rever nossos conceitos, só assim teremos um mundo melhor. Devo lembrar aos pais que a morte de Cazuza foi consequência da educação errônea a que foi submetido. Será que Cazuza teria morrido do mesmo jeito se tivesse tido pais que dissesem NÃO quando necessário? Lembrem-se, dizer NÃO é a prova mais difícil de amor . Não deixem seus filhos à revelia para que não precisem se arrepender mais tarde. A principal função dos pais é educar.. Não se preocupem em ser 'amigo' de seus filhos. Eduque-os e mais tarde eles verão que você foi à pessoa que mais os amou e foi, é, e sempre será, o seu melhor amigo, pois amigo não diz SIM sempre.'
Karla Christine Psicóloga Clínica
As pessoas deveriam saber que ele era um idiota? Ou deveriam saber que você pensa que ele era um idiota?
A psicologia estuda os comportamentos humanos por observação, é puramente empírica e não completamente científica, pois nela existe uma margem de erro muito grande, já que somos parcialmente imprevisíveis. Outra maneira de avaliar e estudar as pessoas em psicologia é por interpretar suas atitudes através da interação direta.
“As pessoas estão cultivando ídolos errados.” Foi uma afirmação no mínimo inadvertida. Quero deixar bastante claro que meu intuito com esse texto não é fazer apologia ao estilo de vida do citado Cazuza e menos ainda menosprezar a opinião profissional da psicóloga. É apenas uma crítica amadora de alguém que se propôs a pensar. Quando a pessoas afirma que a escolha da outra foi errada, ela está mostrando que, de acordo com determinado princípio ou determinado padrão, a opção escolhida foi de encontro com ele, ferindo-o. Se você está em um jogo e existe um caminho de palha e um caminho rochoso e escolhe o caminho de palha, fez a escolha errada, pois a palha desmanchará assim que você pisá-la. Se estiver viajando para região dos lagos e seguir pela avenida Brasil em direção à via Dutra, escolheu o caminho errado, pois, não importa o quanto se adiante, só conseguirá chegar em São Paulo. Mas, e se o participante do jogo já o venceu várias outras vezes e agora busca um novo desafio? E se o viajante decide que agora precisa conhecer melhor o país em que vive não importando por onde comece?
O que quero dizer é dependemos sempre dos pontos de vista. Seguimos padrões diferentes e o que é errado para mim, pode não ser errado para você. As pessoas tiveram criações diferentes, foram expostos a informações diferentes e observaram pessoas lidando com situações de maneiras completamente diferentes. Além do mais, muitos obstáculos que foram apresentados a uns, não foram necessariamente apresentados a outros. Circunstâncias ajudam a formar caráter. Observar como adultos reagem diante de determinadas circunstâncias, ajuda a formar nosso caráter. Se formos expostos a situações diferentes e a maneiras diferentes para lidar com elas é óbvio que teremos, quando adultos, conceitos completamente distintos. Um psicólogo deveria saber disso.
Ainda existe outra questão. Não é só por que escolhi gostar da música de alguém que isso signifique que aprovo o estilo de vida da pessoa ou compartilho de suas crenças ou doenças. Todos os amantes da música de Amy Anyhouse são viciados em álcool e drogas? Todos os fãs da Xuxa são mães ou pais solteiros? Todos os fãs de Roberto Carlos devem vestir branco, pois temem o marrom?
“Cazuza viveu à margem da sociedade.” Que sociedade? A que tentamos construir? Isso é patético. Durante a ditadura, muitos que viviam às ‘margens da lei’ também foram presos e expulsos do país, muitos foram torturados e mortos e até hoje, suas famílias esperam justiça. Lei? Essa lei que permite que ricos e corruptos permaneçam livres? Uma lei arbitrária que, mesmo que fosse cumprida ao pé da letra, seria contraditória. A proibição de uso de entorpecentes, por exemplo. Uma juíza disse certa vez: “A proibição das drogas é inconstitucional. A Constituição garante a liberdade individual. Na democracia, o Estado só pode intervir na conduta de uma pessoa quando ela tem potencial para causar dano a terceiro, e a decisão de usar algum tipo de droga é uma conduta privada, não diz respeito a terceiros. Numa democracia, qualquer proibição é uma exceção. A regra é a liberdade individual.”
Leia a entrevista completa:
http://www.apdcrim.com.br/artigos/art048.jsp
“Filhinho de papai, que nunca precisou trabalhar para conseguir nada.” O mundo está cheio deles. Boa parte sobe as favelas [ou comunidades] em busca de drogas, mas ficam só nisso. E pior são outros que matam, roubam [mesmo sem precisar], queimam mendigos, estupram nossas filhas, arrumam arruaças nas saídas das casas noturnas, atropelam trabalhadores e acabam impunes. O fato de a pessoa não precisar trabalhar para se sustentar é odioso em si, pois nos causa inveja, mas não faz da pessoa um marginal. Os atos dela podem fazer.
“Cazuza só começou a gravar porque o pai era diretor de uma grande gravadora.” E só continuou gravando, pois prosseguiu vendendo. Gravar, no comércio musical, não é sinônimo de vender e fazer sucesso. Pra isso, é preciso ter também talento. Mas, qualquer um deveria saber disso, não precisa de graduação.
“Concordo com o juiz Siro Darlan quando ele diz que a única diferença entre Cazuza e Fernandinho Beira-Mar é que um nasceu na zona sul e outro não.” Cazuza também construiu um império e terminou preso? Isso é absurdo! Ele era um artista e como tal vivia em prol de sua arte. A música era seu estilo de vida e era degradante, não nego, mas só fez mal a si próprio. A nossa constituição não pode nos proibir de fazer mal a nós mesmos. Vivemos em uma democracia.
“Como ensina o comercial da Fiat, precisamos rever nossos conceitos, só assim teremos um mundo melhor.” Agora sim, falou a profissional. Citando uma indústria? Citando uma agência de publicidade que criou um slogan para fazer vender uma idéia e fazer vender um produto? Convenceu-me, você está certa, paremos de assistir a filmes de artistas que se degradam e assistamos mais comercial da Coca-cola, da Volks e Fiat. Esqueçamos a música e os músicos abandonem seus talentos e estudem psicologia, de preferência na mesma universidade que a doutora Karla Christine.
Concordamos em uma coisa, que devemos educar nossos filhos. Sim, devemos educá-los para se tornarem pessoas que saibam pensar, escolher e decidir. Que não sejam manipuladas pela mídia e nem por apelos sensacionalistas pseudo-emotivos.