Esses ipês-roxos

Foi com um imperdoável atraso que fiquei sabendo do concurso do Correio Braziliense para eleger o ipê-roxo mais bonito da cidade. Àqueles leitores que também tiveram a desventura de não tomar conhecimento dessa simpática competição, informo que o vencedor foi um ipê-roxo que fica logo após a Ponte do Bragueto, no fim da Asa Norte. Estou em Brasília há pouco mais de um ano e confesso que não conheço a Ponte do Bragueto. Aliás, eu nem sabia que ele tinha uma ponte, e menos ainda que após ela havia ipês, roxos ou de qualquer outra cor. E o pior de tudo, eu sequer sei identificar um ipê.

A natureza é uma das áreas em que a minha ignorância mais se destaca. Gosto de árvores. Acho importante que elas existam, e mais do que isso: acho-as bonitas. Mas, assim como acontece com os pássaros e os peixes, eu não tenho qualquer conhecimento que me permita diferenciar uma da outra. E isso, provavelmente, porque eu nunca prestei a atenção devida nelas. Atravesso todo dia a W3 Sul, e no meio dela existem árvores que nunca parei para observar. Talvez haja ipês. Certamente há ipês. Outro dia vi uma mulher fotografando uma dessas árvores, que havia florido. Mas eu, eu mesmo, nunca reparei nelas.

Imagino que, se eu parasse ao lado de uma delas, seria bem provável que a árvore se voltasse contra mim, apontando um galho acusador e proferindo palavras duras. Ah, Sr. Henrique, tu me decepcionas. Quer dizer que és capaz de escrever crônicas muito bonitas defendendo o silêncio como forma de observar a vida ao redor, mas tu mesmo não te dignas a observar uma árvore florida que está no seu caminho todos os dias? Hipócrita! E sei bem que, acaso reparasses, dificilmente faria com que ela se transformasse numa das suas crônicas. Prefere os homens, confesse. Gosta dos mendigos, dos estudantes, das mulheres e das pessoas que encontra nas livrarias. Somos apenas árvores, e não temos nada de interessante para dizer, não é?. Nós não fornecemos material para os seus textos. Ah, Sr. Henrique…

Assim diria um desses ipês-roxos, e eu nada teria a declarar a meu favor, e pelo simples fato de que seria tudo verdade. Mas é possível que eu agisse cinicamente e ainda tentasse argumentar. Eu provavelmente invocaria o terrível nome que a botânica usa para se referir a esses malcriados ipês: “Tabebuia impetiginosa”. Bem se vê que algo qualificado como impetiginoso não pode ser boa coisa. Impetiginoso talvez signifique rude, áspero. Quem sabe injusto, ou impertinente, debochado. Ou ainda exibido. Provavelmente exibido. É uma árvore exibida que conseguiu convencer os jornalistas do Correio de que é a “queridinha da cidade”.

Esclarecido esse ponto, voltemos a nos preocupar com coisas importantes.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 29/07/2011
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