O medo nosso de cada dia
Se fosse para definir a geração de agora, eu diria que esta é a geração do medo. Frutos daqueles que viveram nos anos 60, 70 e 80, que curtiram intensamente seus dias, quem está abrindo as asas para o mundo agora traz muito medo no olhar... é tanto o medo, que voam pela imensidão azul, sem enxergar as maravilhas desse vasto mundo. Nossos pais de hoje trataram de colocar as vendas. Por quê? A hostilidade humana se camufla na hostilidade do mundo, vítima acuada nas mãos do homem. É preciso se precaver de tudo e de todos. O perigo mora em todo lugar... e por que não, em todos os momentos. Nos meus doces tempos, perigo era andar de avião, sair tarde da noite, correr em carros de amigos, não conseguir emprego para se sustentar. Nossos medos eram do futuro e muitas vezes, eram inacessíveis, como andar de avião, por exemplo. Hoje o medo é o agora. É preciso ter medo de sair de carro, não pelo nosso limite de velocidade, mas pela inconsequência do outro. E de preferência, sempre sozinho, porque nada mais perigoso que um caroneiro desconhecido. Foram-se os tempos dos pedaços de papelão, indicando o pedido do destino. É preciso ter medo das companhias, desconfiar sempre de quem está ao seu lado na fila do ônibus, no banco da praça, no jogo do dia, nos bares da esquina e nas festinhas, nunca se separar do seu copo e recusar todo e qualquer agrado que por ventura lhe ofereçam. Nas ruas então, é preciso ter mais medo ainda... não circular com dinheiro, nem com celular, não sair sozinho pela noite, voltar de madrugada pra casa então, isso sim, é arriscar a vida. Entrar num caixa eletrônico à noite, faz nosso coração disparar, quando estamos lá dentro sozinhos e entra algum desconhecido. Saímos de lá com a sensação de ter escapado de um ataque terrorista. Medo de comer e engordar, de virar estatística de obesidade. Medo do desemprego, da velhice que cada dia chega mais depressa e nos tira da concorrência sadia pela sobrevivência. Medo da solidão, de morrer sozinho e pior: medo de relacionar com o outro e correr o risco de se machucar por amor, paixão não correspondida e decepções. São muitos os medos que estamos vivendo e passando para os nossos filhos. Estamos nos encarcerando nos metros quadrados de nossa sala, entricheirados entre a televisão e a internet que nos mostra o que acontece lá fora, enquanto vestimos nossas roupas de guerra, camufladas muitas vezes de covardia. Conseguimos sentir medo até de conviver com os amigos, para não correr o risco de magoar ou sermos magoados com as nossas ideias, nossos desabafos e desvairios. Esquecemos que amigo é feito para isso. E assim vamos vivendo, fazendo de conta que a vida tem que ser inexoravelmente assim e que está tudo bem. Não está. Estamos semeando uma geração triste, tensa, egoísta e sem compaixão pelo outro. O individualismo brota da semente desse medo. Cada um é cada um, o outro que se dane. o importante é viver. Ou melhor, sobreviver. Porque vida cerceada de tanto medo, não é vida. É fazer de conta que estamos vivendo.