Cana dura
 
            Acordou com o barulho de uma trombada de automóveis.
            Olhou pela janela, discussão entre os motoristas, mas ninguém machucado.  Falou um palavrão baixo, e foi para o banheiro.  Não era do tipo que quando entra num banheiro fica horas.  Em pouco tempo saía, banho tomado, ducha fria embora o tempo não recomendasse.
            Vestiu a calça de gabardine azul, colocou uma camisa leve e mandou a japona por cima de tudo.  Saiu do apartamento pequeno depois de ter comido duas bananas-prata e tomado uma xícara grande de café, enquanto fumava um cigarro vagabundo e examinava a Colt quarenta e cinco .
            O velho Citroen preto, modelo 1957, pegou na primeira virada.  Trânsito leve, até a delegacia onde era titular.  Saulo.  Delegado Saulo, bom amigo e policial, mas bem ruinzinho com os bandidos.  Havia trabalhado na Invernada de Olaria e foi um dos bons de lá.
            - Bom dia, doutor.
            - Bom dia, Ramos.  Tudo tranquilo por aqui?
            - Sem problemas, doutor.  Apareceu uma mulher, está na sala do escrivão.  O marido encheu de pancada.
            - Prenderam o homem?
            - Foram buscar.  Não demora e ele chega.  Trabalha na fábrica de biscoitos.
            Esta fábrica era referência do lugar.  Seus produtos não eram grande coisa, mas por serem baratos tinham freguesia certa.  Saulo, o delegado Saulo, foi até a sala do escrivão.  A mulher já havia dado a notícia do crime.  Uma marca roxa no rosto, lesão corporal leve.  Com uma ligeira conversa, ficou sabendo que o motivo do soco foi um vestido decotado que a mulher havia encomendado à prima.  Foi fazer compras com ele, mas o marido já havia avisado que não usasse aquela indecência.
            A camioneta do distrito chegou.  Motorista, o detetive Jalmir e o preso, logo encaminhado ao delegado Saulo.
            - Valentão, dar porrada em mulher é fácil.  Tenta comigo.
            - Doutor, ela pediu o castigo.  Saiu de casa como uma vagabunda, exibindo os peitos.
            Falou de cabeça baixa, sem encarar o seu interrogador, como é hábito nas delegacias.
            - Dá porrada em mim, seu puto.  Olha!
            Esticou a cara para ser agredido.  O preso não era maluco.  Um leve tapa no delegado significaria pancada grossa no seu lombo, ele sabia disso.
            - Não vai dar não?  Então toma!
            Levantou-se e deu uma tapona na cara do ciumento.  Tapa de Saulo era feito um coice.  O homem caiu sentado.
            A mulher, que assistia a toda cena, agarrou-se ao delegado.
            - Doutor, não bate nele não, pelo amor de Deus!  Fui culpada, culpada aqui sou eu.  Saí com um vestido indecente.  Deixa ele, eu retiro a queixa agora mesmo.
            É sempre assim.  Quando vê o marido apanhando, ela não aguenta e pede para parar.
            - Sumam da minha frente antes que sobre para os dois.
            Parece invenção?  Procure saber.  Dependendo do local do distrito, este fato acontece sempre, quase todos os dias.
 
  
 
Jorge Cortás Sader Filho
Enviado por Jorge Cortás Sader Filho em 28/07/2011
Código do texto: T3124334
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.