NÃO MATEM AS FORMIGUINHAS

NÃO MATEM AS FORMIGUINHAS

"No tempo que eu era solteiro /

nunca vi uma coisa assim... /

agora, que eu sou casado, /

as morenas choram por mim!"

(xote de "seu BOTÃO", virtuose

da rabeca e violão -- Pará/1984)

Quando cheguei ao Pará (em 9/dez. 1983) nem sequer sonhava em me envolver com Música... e músicos. Dei azar: a região, além de criar uma multidão de seres antiecológicos -- e sem a mínima preocupação com o ambiente inteiro -- produz também uma série incontável de artistas natos (e artesãos, etc) que vêem seu dom como uma espécie de "passatempo", ao qual não dedicam mais do que alguns momentos da Vida e nem 1 só centavo do próprio dinheiro.

Após 2 anos e meio entre matas e águas, num vilarejo sem luz elétrica e sem mais nada, eis-me chegando à Capital, para tropeçar em mais artistas populares de todo tipo, a maior parte desprezados por um povo inteiro que deveria aplaudí-los. Não é à toa que aqui só se conhece um escritor (ou poeta) por acaso... êles escondem seus textos até dos parentes, não os publicam em lugar algum e os Grupos de escritores (?!) são feitos, em alguns casos, por curiosos ou deslumbrados. Os autores com talento só se encontra após muita procura.

Mas, voltemos à seara da Música... compositor que não toca uma nota sequer, para participar de Festivais tenho que me valer das mãos e do instrumento de músicos amadores, até porque o preço cobrado por um profissional está além do meu alcance. Num Estado onde a maioria tem por norma não cumprir a palavra empenhada, contar com a presença de um músico contratado para uma apresentação qualquer é praticamente uma "loteria". Antes disso, temos despesas com xeroxs da letra da canção inscrita no Festival (13 cópias no mais recente, do jornal Diário do Pará), com o CD virgem, com o estúdio de gravação -- por mais modesto que seja -- e com 1 ou mais músicos, numa sucessão de gastos que ultrapassa os 300 REAIS (num cálculo bem por baixo), sem garantia alguma de classificação de sua obra.

Conclusão: não há um só músico das camadas populares que consiga se encaixar em exigências como 1) gravação DE QUALIDADE (que requer estúdio) e 2) partitura/cifra da canção inscrita, até porque o músico amador "toca de orelhada", aprendeu vendo, é essencialmente um autodidata, que guarda sua obra na memória. Meu parceiro na dupla quase sertaneja "Cultura Nossa" tinha perto de 150 obras "na cachola" e só passou boa parte das letras para o papel para que eu pudesse fazer a "segunda voz" na dupla. Faleceu em 2005/6 levando TUDO para o túmulo, exceto 20 ou 30 canções que insisti muito que gravasse em fita cassette, hoje nas mãos do filho, pelo visto sem o menor interesse em divulgá-las, nem pela Internet.

Assim sendo, o discurso do III Festival de Música Popular Paraense de ter nele músicos realmente populares -- vindos do povo e não com a fama de um Nilson Chaves ou Fafá de Belém -- é sonho lindo, impossível de concretizar.

A Internet, com seu circo de horrores, tem transformado em famosos meninos de 5 ou 6 anos que choram por causa de uns fios de cabelo cortados, ou graças a uma "dancinha" robótica ou porque o irmão caçula está a matar formiguinhas. Raramente se vê nela vídeos de músicos amadores, pintores em ação, artesãos produzindo, atrizes e atores em cena... explica-se, boa parte dessa "fauna" é artista de fim-de-semana, trabalha intensamente de segunda a sábado, não tem computador em casa e usa LanHouses quase sem nenhuma estrutura e com PCs/CPUs de 1990 e tal, sem câmera nem microfone.

Seja via WEB, pelos Jornais locais ou através da TV global "que assola o país", concursos e festivais continuarão sendo para muito poucos... a "arraia miúda", o artista de raiz popular, essas "formiguinhas" da MPB Brasil afora são "mortas" por regulamentos que os impedem de participar dos Festivais. Até quando, meu Deus?!

Aliás, houve época que os Festivais queriam como vencedor um nome (aliás, sobrenome) de renome no meio artístico local -- pelo menos em Belém -- e se fazia entre os jurados uma "ginástica maluca" para referendar sumidades (?!) musicais em detrimento de concorrentes modestos, mas cuja obra era muito superior em têrmos de criatividade e lirismo. Felizmente, essa era ficou para trás e, hoje em dia, os resultados finais raramente são contestados. Antes assim!

É claro que dificilmente veremos num palco de Festival um... "Mike do Mosqueiro", ainda que sua única composição venha a ser um belo momento de inspiração.

De minha parte, torço para que daqui a alguns "séculos" vejamos os responsáveis por tais festivais DE MÚSICA POPULAR abrindo espaços para o músico "de rua", o compositor de fundo de quintal, apoiando-o com banda e estúdio, trazendo à luz esses "gênios ocultos" e justificando seus próprios títulos, porque de POPULAR mesmo a maior parte dos Festivais não tem... É NADA !

"NATO" AZEVEDO (escritor e compositor)