Os ônibus

Moro a doze quadras do meu trabalho. Com alguma disposição, eu conseguiria ir andando – levaria cerca de 45 minutos. Quase sempre, no entanto, vou de ônibus. São veículos antigos, talvez do tempo da reabertura democrática. Há mais turbulência em um ônibus na W3 Sul do que em todos os voos do Aeroporto JK. E se durante um dia inteiro não for visto nenhum veículo estragado, seria o caso de ligar para o Correio Braziliense. Apesar disso, existem algumas iniciativas para que nossa viagem seja mais agradável.

Uma televisão, por exemplo. Alguns dos ônibus têm televisão. Além de telejornais, a programação conta com entrevistas sobre saúde, meio ambiente, e outros temas que possam ser de interesse público. Há também um programa sobre a língua portuguesa. De vez em quando vejo uma enquete sobre cultura geral. E várias vezes eu só percebi que havia uma televisão no ônibus quando ouvi, do nada, um grito de gol. É que a programação também inclui os gols dos campeonatos argentino, francês, alemão.

Está visto que, em boa parte do tempo, a programação pode ser interessante para quem assiste. A iniciativa parece ser das melhores: aproveitar que os passageiros gastam um tempo precioso indo de um lugar a outro e muni-los de informações úteis para o seu cotidiano, ou apenas entretê-lo, já que andar de ônibus não parece, pelo menos em Brasília, ser coisa das mais divertidas. Reconheço o mérito, mas tenho para mim que isso faz parte de uma campanha surda para acabar com o silêncio – e talvez com os próprios cronistas.

São realmente poucas as situações em que conseguimos sentar e deixar o pensamento correr. Estamos tão envolvidos em coisas práticas que, em geral, não dispensamos tempo para refletir. Andar de ônibus vinha sendo um dos momentos em que podíamos pensar melhor sobre quem somos e o que fazemos dessa passagem terrena. Junto com o chuveiro, é o lugar mais utilizado para isso. Nem sempre conseguimos, já que muitas vezes os ônibus andam lotados, e então tudo que pensamos é sair dali o mais rápido possível. Mas há ocasiões em que a viagem é longa, e conseguimos um lugar para sentar, e então apenas pensamos, tranquilamente, na vida, e às vezes em nada. Ora, a televisão é mais um empecilho para isso. Preferimos nos manter informados sobre o que acontece no mundo e adiamos reflexões sobre coisas que poderiam definir a nossa sorte. O silêncio anda muito mal valorizado, cada vez mais raro, e querem tirá-lo também do ônibus.

Além disso, é uma séria ameaça ao trabalho dos cronistas, que vivem da observação, e poucas situações oferecem mais temas do que as viagens em ônibus. Há sempre pessoas conversando, discutindo, brigando, trocando juras, sendo gentis, sendo hostis, lendo, telefonando – vivendo a vida que o cronista tanto deseja retratar em seu texto. Mas bolas, se ele estiver olhando para a televisão, não enxergará nada disso.

Se fosse do Governo do Distrito Federal, eu adotaria o mesmo sistema dos ônibus Ligeirinho de Curitiba: nada de televisão, nada de informações úteis ao passageiro. Apenas um rádio ambiente, tocando música clássica. Eu também tomaria o cuidado de nunca colocar Bach ou Vivaldi. Queremos que as pessoas relaxem, e não uma catarse.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 27/07/2011
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