A perplexidade tardia: o tempo passou e não fui avisado

O tempo passou e não tive o tempo de aproveitá-lo. Desculpa tola, cercada de uma semântica pueril, pois só não se aproveitam do tempo aqueles que não sonham; aqueles que não possuem imaginação; aqueles que adoecem pelo mal que fizeram. O homem é livre e desta liberdade tem que aproveitar.

Parece que foi ontem que perdi o primeiro dente, uma sensação de ausência. Desfazia-me de um bem durável. De lá para cá passei pelos bancos escolares, aprendi com a primeira professora, andei de bicicleta pela primeira vez, a ditadura militar passou e pouco ou nenhum contato obtive com a truculenta ignorância. Gostei de aprender a ler, descobrindo novos e ilimitados horizontes, navegáveis pela brisa da imaginação; conheci os clássicos da literatura, mas me defrontei com uma linguagem arcaica, avessa ao meu tempo, arredia ao meu comportamento. Fui compreendendo e dessa batalha travada busquei conhecimento, pois através dessa fórmula possuiria subsídios para devorá-los (os clássicos).

Na adolescência cheguei. Escola, festas, garotas, primeira namorada, esportes. Procurei aproveitar, mas sem o compromisso que é peculiar ao jovem (“deixa a vida me levar...”). Chegou o vestibular e com ele a escolha da profissão: seguir a profissão do pai ou fazer o que o coração palpitava? Fazer o curso que me sentiria bem, realizado. Não por questões financeiras, mas por apreciar a exposição dos meus pensamentos em páginas de livros, estampados em jornais, cravados em ensaios para revistas.

Não estava preparado, mas me casei. Ela grávida de nosso primeiro filho. Esperava ser homem, mas nasceu mulher, alegria dela e toda sua família. A minha família e eu esperávamos homem. Depois do primeiro vieram mais três: todas meninas. Todas bonitas e sadias, mas meninas. Nada contra, mas meu sonho não foi concretizado. Espere... Meu sonho não foi concretizado com essa mulher! Sou jovem e outras mulheres passarão pela minha vida. Esse foi apenas um pensamento indesejado, pois amo minha família, admiro minha esposa e rezo por minhas meninas.

O que mais me aborrece é o pouco tempo que tenho para compartilhar com a minha família. Não pude ver minhas filhas crescerem, estudarem, fazerem perguntas que só adolescentes podem fazer; não vi a colação de grau da mais velha, mas das outras consegui. Fui dispensado mais cedo do trabalho. Não notei, nem balancei o meu neto quando nasceu. Não ouvi o seu choro, mas cumprimentei meu genro e abracei minha filha. Não falei que aquele neto era o filho que queria, pois era abandonar sem piedade as filhas lindas que tive. Sei me controlar.

Hoje fico aqui, sentado nesta cadeira, que minhas filhas compraram, afirmando ser a Poltrona do Papai, lendo meus livros, folheando meus jornais, brincando com os netos e refletindo sobre o pensamento do escritor latino Ovídio: “Tempus edax rerum (tempo devorador das coisas)”. O tempo passou e não fui avisado.

Sergio Santanna
Enviado por Sergio Santanna em 07/12/2006
Código do texto: T312064
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