Karenina

Todas as cidades felizes são iguais. As infelizes o são cada uma à sua maneira. Não digo que Brasília ou Curitiba sejam tristes assim – mas vários dos seus moradores são. E se aproximam tanto uns dos outros que, no fundo, acho que são infelizes da mesma maneira. O transporte coletivo de Curitiba pode ser realmente melhor, mas nem por isso está livre das pessoas que o usam especialmente para vender coisas – são as mesmas pessoas tristes de Brasília, embora em número menor. “Muito boa tarde, vocês me desculpem atrapalhar a viagem de vocês”. Sou um coração mole, e de vez em quando me convenço. Aqui em Curitiba, comprei duas canetas e alguns adesivos das Meninas Superpoderosas – como se vê, artigos essenciais para uma boa estadia na cidade. E mesmo que as pessoas não pareçam infelizes, elas trazem até nós uma parte da cidade que vive mal.

E como se vive mal nessas cidades! Há sempre razões muito acertadas para que se fale mal do governo. Nisso, elas são muito parecidas. Eu sou um homem de várias pátrias, e por isso me sinto muito à vontade para falar mal de vários governos. E normalmente se reclama das mesmas coisas – normalmente, os governos de todos os lugares tomam medidas muito parecidas para impedir que as pessoas sejam menos infelizes.

Eu pensei em escrever alguma coisa comparando Curitiba e Brasília, mas tudo que eu dissesse levaria a conclusão inevitável de que, afora o governo, as duas cidades são muito boas. Troquei uma pela outra há pouco tempo, e confesso que ainda me sinto mais à vontade no Paraná. Tenho um temperamento que vem bem a calhar com a cidade. E diria que até gosto das pessoas, de caminhar na XV, de andar de ligeirinho com música clássica ambiente, de visitar os parques.

Friamente, não há muito motivo para sair de Curitiba – a não ser o friamente. Com algum esforço, vive-se bem, e a cidade é bonita e agradável. Seria o caso de alguém dizer que, por aqui, eu tinha todas as possibilidades. Pois ainda assim, Curitiba, eu te troquei pela impetuosa Brasília, com todas as suas repartições, seus porteiros, suas asas e eixos. É claro que também lá eu posso viver muito bem, e também é certo que Brasília é uma cidade bonita e agradável – e, dessa vez, não falo friamente.

Penso que, apesar de tudo, eu não traí Curitiba – pelo contrário, o traído fui eu. Estou há pouco mais de um ano fora e, nesse período, Curitiba ousou passar por uma série de mudanças: o preço da passagem de ônibus subiu, lojas foram fechadas, outras foram abertas no mesmo lugar, ruas foram asfaltadas, e uma porção de coisas parece ter acontecido sem que eu tomasse conhecimento. É compreensível. Também aconteceram coisas comigo desde que sai daqui. Estou morando a 1.500 quilômetros de Curitiba, mas ainda sinto a cidade tão minha que, num esforço de sinceridade, penso seriamente em chamá-la para um ménage à trois patriótico.

Ou à quatre, que ainda tem São Bento. Ah, como eu te amo, São Bento!

Isto é, afora o governo.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 26/07/2011
Reeditado em 26/07/2011
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