BODAS DE PALAVRAS

— Fiaaaa... Vam’bora que o sóli gora memo esquenta...

— Peraí, Antõe, tô encheno a garrafinha d’água, meu véio...

—Ah, tá bão... Cê já tomou o remedim da pressão?

— Inda não... Vô levá pra nóis tomá juntim lá na pracinha...

— Mi'a véia, cê alembrô de imbruiá os bolim?

— Os bolim?

— Intão... Cê num falô que ia levá os bolim de mio pra nóis comê lá?

— Ah, tá bão... Já imbruiei. Tão na sacolinha...

— Intão vam'simbora, inhantes que arguém toma conta do nosso banquim...

— Vamo ligêro...

— Tá esqueceno o chapéu, não?

— Tô não... Ich, sua bengala tá nicissitano uma pulida, meu véio...

— Uai, cê acha?

— Pois num é? Tá perdeno o brio...

— Nem arreparei...

— Hoje memo vô mandá o Zé Roberto levá ela pra dá uma rumadinha.

— Ah, nosso fio anda chei de serviço, mi’a véia...

— É... Mais eu falano, ele acha u'a horinha...

—Óia, Antõe... Coidado aí cum a carçada... Sua perna inda num tá boa de tudo...

— Ah, ocê me dano o braço eu tô imparado!

— Nossa, o dia tá bão hoje, hein? Nein u’a nuvizinha no céu, óia lá...

— É memo... Essis dia de setembro são bunito devera...

— Meu véio...

— Hã?

— Esses dia assim dá uns ar de condo Zé Roberto nasceu, cê alembra?

— Se alembro... Nóis sabia que tava na hora do minino chegá...

— É, e ocê foi disparado de cavalo mode buscar dona Indalina...

— Deus tenha ela no céu... Aquele bão coração, pra nóis lá na roça, era a sarvação...

— Memo... Sem recurso do jeito que as coisa era...

— Ah, cheguemo! A sombra hoje tá que é uma beleza, Fia!

— Cê sabe meu véio, u’a das minha maió aligria é vim aqui nessa pracinha...

— E a minha, num é? É as hora mió que eu acho...

— Tem veiz que fico pensano...

— O quê, Fia?

— Cinquenta ano de casado e nóis ainda num cansemo de cunversá...

— E eu tamém fico admirado cuisso.

— Intão... Ondé que nóis ruma tanto assunto, hein?

— Assunto que num caba mais...

— Antõe...

— Diga, mi'a véia...

— Parece que nóis prantô um pé de prosa dendinóis...

— (risos) Ocê é ingraçada, muié... adonde se viu isso? Prantá um pé de prosa...

— Mais num é? Arrepara só... Cinquenta ano... Sem disgrudá pra nada! Já era pra nóis tê secado o riberão das cunversa...

—...

— Uai... Fala arguma coisa, Antõe...

—Tô pensano, Fia...

— Pensano o quê?

— Eu acho que nóis fomo abençuado condo se encontremo...

— Abençuado como, homi?

— Nóis foi abençuado com aquele amô que o povo tanto fala...

— Uai, e que amô é esse?

— Aquele que num enxerga só o ladifora... Enxerga tomém a alma, o coração...

— Êh, meu véio, cê fala cada trein bunito. Falá nisso... Cê alembra aquela veiz que...

"Ao pensar sobre a possibilidade do casamento, cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: 'Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até a sua velhice?' Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar."

(Nietzsche)