CONFESSIONÁRIO

Soma dos meus defeitos e virtudes, não sei qual a porcentagem de cada um destes e nem qual prevalece. Parece-me, no entanto, que estou me dando bem. Tenho onde dormir, o que comer e beber, procuro vestir-me razoavelmente bem, e alimento vários sonhos que posso tornar realidade com algum esforço pessoal.

Nada de sacrifícios, porque isto exigiria muito altruísmo e os dias atuais não se compadecem dos que concebem a vida com este condimento idealista.

Tenho ainda alguma dose de solidariedade para com o semelhante, no entanto não gosto de dar esmolas, como também não saberia esmolar. Afinal, como pensar nisto, se trabalho há mais de cinqüenta anos?

Creio que ainda posso ser útil aos semelhantes, em algumas áreas de atividades, e me esforço para balizar o caminho como um lobo marca o seu território, com fezes e urina.

Não procuro servir de escada para ninguém nem permitir que outros façam isto comigo, Nunca pergunto aos outros por aonde ir, mas procuro um caminho livre, sem pedras. Se elas aparecem, afasto-as com certo rigor.

Sei de meus afetos, eles movem a minha bandeira de viver, e espero, pacientemente, ser fiel aos desígnios da Onipotência.

Na minha ótica e avaliação, acho que faço bem feita a parte que me toca.

Por poeta, esquadrinho o meu caminho entre o bem e o mal, e cuido das fantasias como um bobo-da-corte. Gosto do canto lírico-amoroso. Curto isto na obra literária de meus irmãos escribas e tento descobrir a sensação gozosa de usufruir o amor na vida real.

Jamais saberei, por certo, o que é começo e fim. Rastreio pegadas vistas e não revistas. Nunca olho pra trás, porque tenho que a vida é uma corrida de resistência. É necessário se chegar bem e romper a faixa de chegada.

Tomo o meu universo pessoal como o reflexo de estar vivo, atuante, autor obrigatório de zelos, atenções e muitos pedidos de desculpas. Esta a obrigação: a de ser solícito e obediente para com o Senhor dos Mundos. Mesmo que, muitas vezes, o ceticismo nos ocupe como um roto sudário.

Quando vier a hora, tentarei cantar “My way” e lembrarei Sinatra, impecável no seu smoking, cantando com olhos estrelados de azul.

Não deve ser tão difícil a outra margem pra quem se vestiu de vida o tempo todo, mesmo que a morte prossiga fazendo seus estragos. Curioso é que ela dá a sua mão aos amigos e as nossas ficam estendidas para o retorno.

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006.

http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/311613